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A importância de falar Natal

O Caderno Negro

(ou a arte de fazer escutar)

Todos os Natais, os bispos enviam uma mensagem à diocese. Este ano, o bispo de Viseu lembrou que o Natal é uma festa de esperança e pediu uma «mudança pessoal e social» face à crise. O bispo das Forças Armadas, D. Januário Torgal, convidou os portugueses a deixarem de lado o medo do futuro. E lembrou que uma sociedade «nunca se pode conformar». D. António Marto, de Leiria-Fátima, apelou à «caridade organizada nas comunidades». O bispo de Coimbra, D. Albino Cleto, pediu atenção para as situações de «pobreza envergonhada» e apelou a que ninguém fique, por falta de dinheiro, sem aviar uma receita na farmácia ou passe o Natal sem recursos. Para isso, sugeriu a criação de «grupos empenhados na prática organizada» da caridade. A mensagem do bispo do Porto, D. Manuel Clemente, foi distribuída pelas ruas e lojas da cidade – 700 mil exemplares. Muito curta, a mensagem, com o título “Para si, que vai caminhando”, começa com uma frase inteligente: «Peço-lhe um minuto, apenas um minuto».

Os homens da Igreja sabem como é difícil fazer passar a mensagem. Junto das comunidades e, especialmente, junto dos jornais e dos jornalistas – de uma maneira geral autistas a tudo o que diga respeito a Deus e à espiritualidade. E se há matéria em que a Igreja tem alguma razão é na falta de espiritualidade (campo que não se extingue, naturalmente, na prática da religião católica) da sociedade actual. A dimensão espiritual apaga-se, hoje e cada vez mais, na necessidade constante de explicação de todo e qualquer fenómeno – quando todas as coisas mágicas da vida, como o nascer, o amar e o morrer ainda não têm uma explicação científica consistente.

O Natal – e esqueçamos, se é que é possível, o seu significado cristão – é um convite a que pequenos gestos de solidariedade possam ser colocados em prática. Sobretudo no campo pessoal: como o reatamento de uma amizade perdida por uma mesquinhez (o perdão), a oferta de um telefonema a alguém que enfrenta a doença e a solidão (a caridade), o dizer que se ama pondo o orgulho de lado (o amor).

E no fundo é a isto que o bispo do Porto apela na sua mensagem de Natal: que todas as famílias sem reúnam, sem esquecer nenhum familiar. Que se preste uma atenção maior aos vizinhos. Que os saibamos saudar, vencendo a indiferença. Que a união seja a tónica nos locais de trabalho. No fundo, gestos simples. Mas que, por serem simples, poderão ser realmente colocados em prática. Por todos, católicos e não-católicos. Porque a união e a solidariedade transcendem o domínio católico.

Este ano, a mensagem de D. Manuel Felício, o bispo da Guarda, quase não fala em Jesus. Fala em jogos de interesses políticos e económicos que se fazem nas costas do povo – uma referência demasiado vaga para que possa ser levada a sério. Não dá respostas, não faz convites. Deixa apenas a sugestão – que é uma ideia original do presidente da Comissão Episcopal da Pastoral Social – de que se doe 20% do vencimento mensal à Caritas. Um repto que faz sentido quando é lançado a nível nacional. No fundo, e para quem vive na Guarda, é mais sacrifício. Deverão os ex-trabalhadores da Delphi doar, também, parte do seu subsídio de desemprego? Existem muitas formas de chegar às páginas dos jornais. E, hoje, falar só de Deus não chega. Mas, no Natal, o importante deveriam ser as pessoas. Com os seus problemas reais, a precisarem de uma palavra de esperança. Um convite a uma acção concreta que possa mudar a vida de alguém que nos é próximo, mas que por vezes está tão longe. Um gesto simples de amor. Afinal, o Natal é isto.

Por: Rosa Ramos

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