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A Hidra e o cherne

A nomeação de Durão Barroso para a Goldman Sachs é um golpe rude sobre a União Europeia. Como pode aceitar o ex-presidente da Comissão Europeia presidir à multinacional financeira que, durante o seu próprio exercício, terá participado da ocultação do défice da dívida soberana grega? Ainda se fosse designado com poderes executivos para poder corrigir as práticas da financeira! Como pode ele aceitar presidir, e sem poderes executivos, ao ator financeiro que mais fez dos seus dez anos de poder um período de estagnação europeia e de sofrimento social dos europeus? Poderia não ter sabido fazer frente à Hidra financeira – nem todos são capazes de grandes lideranças – mas revelar-se assim, por desejo, o funcionário que antes de o ser já era, bem revela a década sinistra por que passou a União Europeia. Em editorial desta semana, o “Le Monde” compara o dano da contratação de Durão Barroso ao Brexit, mas com uma assinalável diferença: considera-o um golpe baixo, muito diferente do golpe que a democracia deve fazer refletir. Nem uma sombra de pudor por si ou de preocupação para com os outros levaram Durão Barroso a hesitar. A credibilidade de um projeto de 500 milhões de pessoas não valeu uns milhões de remuneração, decerto em dólares, porque euros nem é sequer a moeda da Goldman Sachs.

Desenganemo-nos, pois, os que se iludem e pensam que há os aflitos portugueses de um lado, junto com gregos, espanhóis e mais uns tantos, e do outro os ricos alemães. O pior da e para a União Europeia e o pior para Portugal também pode ter cartão de cidadão português. Uma coisa deve ser certa: Durão Barroso, que também foi o anfitrião da cimeira das Lajes, não deverá ser esquecido pela História. Se há responsabilidades históricas que são hoje apontadas a Tony Blair, por maioria de razão há um juízo histórico sobre o papel de Durão Barroso, primeiro como primeiro-ministro de Portugal, depois como presidente da Comissão Europeia, que tem de começar a ser seriamente pensado.

Dito isto, não é menos verdade que Durão Barroso ao aceitar esta posição só tirou a conclusão daquilo que o levou ao cargo de presidente da Comissão Europeia e sempre fez no exercício desse cargo. Quando vão a votos, as democracias europeias – a nossa incluída – têm de, uma vez por todas, levar a sério a promíscua influência do poder financeiro sobre o poder político, sobretudo deste poder financeiro global que se infiltra nas posições chave da decisão política. Durão Barroso é só o mais bem sucedido de milhares de “políticos financeiros” que exercem poder interessado por toda a UE, sejam em cargos políticos nacionais ou nas instituições europeias. Portanto, a pergunta a dar resposta, e também pelo jornal “Le Monde”, é: como, com que apoios, e apoiados estes pelo quê, chegou Durão Barroso tão longe?

É irresistível a confrontação com os modelos estatísticos que a Goldman Sachs publicitou antes do Euro 2016 e que previam apenas 8% de chances de vencermos o Europeu, dando por mais provável que fôssemos derrotados nos quartos-de-final. O simpático elefante Zella, por mero acaso, fez bem melhor: “adivinhou”, uma vez chegados à final, que venceríamos a França. Pior que não acertarem em quase nada, é aqueles modelos estatísticos não perceberem que o futebol é uma prática com uma complexidade de variáveis que não vai lá com as contas da Goldman Sachs. Será que foi por isso que decidiram contratar o nosso “cherne”?

Por: André Barata

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