Arquivo

A Guerra com os Holandeses

Em 1598 as ilhas de São Tomé e Príncipe são atacadas por uma frota holandesa. Foi este o primeiro acto da primeira guerra verdadeiramente global, já que o conflito iniciado em 1914 foi um assunto predominantemente europeu. Portugueses e Holandeses combateram-se em sete mares e quatro continentes, de 1598 a 1663 (C. R. Boxer, O Império Marítimo Português, Edições 70) e em lugares tão remotos e distantes uns dos outros como a ilha de Timor, o estuário do Amazonas, o interior de Angola, Ormuz, Malaca, a costa do Malabar, a ilha de Ceilão, a ilha de Moçambique e Macau, entre muitos outros.

Nessa guerra valeu tudo, incluindo, por parte dos holandeses, a aliança com a rainha canibal Nzinga, da tribo dos jagas, na África Ocidental, ou a intriga com o ditador militar da família Tokugawa, que levaria à expulsão dos portugueses do Japão em 1639. Os motivos do ódio recíproco eram muitos, mas podem resumir-se às divergências religiosas entre o catolicismo português e o calvinismo holandês e à ganância destes últimos, apostados em apropriar-se do comércio de especiarias, ouro e escravos que até aí, e nos mais diversos lugares, tinham estado nas nossas mãos.

Não sei até que ponto se poderá chamar à colação a expulsão dos judeus levada a cabo sobretudo por D. João III e que levou à emigração de muitos judeus, e de muita da nossa melhor inteligência, para, entre muitos outros destinos, os Países Baixos. Recordo apenas que Espinosa, um dos mais importantes filósofos do século XVII (e holandês), era filho e neto de “marranos” – como então se chamava aos judeus em Portugal por não comerem carne de porco (embora a Wikipedia remonte a origem da palavra a uma corruptela espanhola do árabe muharram, com o significado de “ritualmente proibido”).

O que sei é que há nos nossos genes um vestígio, se não de ódio, no mínimo de hostilidade em relação aos holandeses. No século XVII tivemos grandes dificuldades com eles e se não perdemos aquela luta global que refere o inglês Boxer (segundo o qual, se perdemos na Ásia e empatámos em África, ganhámos na América do Sul), isso foi apesar da superioridade física holandesa (um oficial português, depois da reconquista da Baía, em 1638, descrevia assim os cadáveres: “327 homens dos mais perfeitos que se possa jamais ter visto; pareciam gigantes”), dos seus vastos recursos económicos e do seu superior domínio da estratégia militar: os portugueses tinham, como única estratégia (?), o ataque desordenado e caótico ao grito de “a eles, por Santiago!”.

Houve finalmente paz com a Holanda em 1663, numa altura em que combatíamos já também contra a Espanha, e recorremos como intermediária nessa paz à nossa velha aliada, a Inglaterra. É curioso que esta tenha sido beneficiada com o sacrifício de duas jóias do nosso império, Tânger e Bombaim, oferecidas no dote de D. Catarina para o seu casamento com Carlos II.

Assim como é curioso que a Inglaterra venha a ser beneficiada outra vez, agora no mundial de futebol de 2006, com uma nossa batalha com a Holanda. Admira-me também a facilidade com que os jogadores holandeses desistiram da rígida moral calvinista: agressões cobardes e premeditadas, simulação de lesões e penaltis, violação das mais elementares regras de civilidade. Dirão que nós também, embora menos, mas a verdade é que a nossa ética é a católica e temos sempre o perdão, ao contrário deles, na ponta de umas dúzias de ave-marias.

Sugestões:

Um jogo de futebol: Portugal – Inglaterra (no próximo sábado), sem Costinha e sem Deco, sacrificados no domingo passado em benefício dos ingleses. Não perder também, uns dias depois, o Portugal – Brasil.

Por: António Ferreira

Sobre o autor

Leave a Reply