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A Guarda do Distrito

Opinião

Aqui não tenho futuro; a frase possui a amplitude de um desígnio ou maldição, a marca de uma insuportável condenação; aqui, no Interior, sentimo-la e vivemos com os seus efeitos há décadas.

Nós sabemos bem quais as consequências da emigração a nível distrital e, por isso, a vemos com uma não solução e a encaramos como um perigo à escala nacional.

Temos hoje a geração de jovens mais preparada e tecnicamente mais evoluída da nossa história.

Nunca tivemos, como nos últimos anos, tanta formação profissional, tantos licenciados, tanta massa crítica.

Mas o grau de incerteza face ao futuro não diminui e tende mesmo a agravar-se.

Urge pôr a economia a funcionar tendo em vista o alargamento da oferta de emprego e, consequentemente, haver empresas que assegurem trabalho com direitos.

Este não é o tempo para “vender” otimismo à mistura com demagogia.

O momento que vivemos em toda a Europa, no nosso país em especial, exige de nós um discurso rigoroso e sério.

Esperança sim, mas com verdade, onde cabe a utopia desde que tenhamos os pés bem assentes na realidade, nunca exigir da sociedade e do estado aquilo que não nos podem dar.

O equilíbrio entre o sonho e a vida é o desafio maior de qualquer comunidade, da juventude em particular.

Aqui não tenho futuro….

Todos temos uma certa dose de responsabilidade na situação a que chegamos.

A partidarite aguda toldou-nos a inteligência, tolheu-nos a vontade, dividiu-nos em fações que só nos fragilizam internamente e diminuem aos olhos dos outros.

Se estamos na oposição, recorremos ao discurso demagógico que utilizamos como arma de arremesso político.

Se, ao invés, estamos no poder, sobrevalorizamos e ampliamos cada benesse recebida como se fora a panaceia decisiva para ultrapassar todos os nossos problemas e carências.

Vivemos num país cada vez mais injusto, pelo que são naturais tantos apelos à coesão social.

Porém, a coesão territorial é já hoje uma emergência nacional.

O Interior, a região da Guarda, não aguentam mais uma década de abandono e esquecimento. Precisamos de ter a ousadia, a coragem mesmo, de alertar que a saída para a nossa realidade não pode passar, não passa, por receitas velhas que demonstraram a sua ineficácia ao longo de anos.

A nova resposta só pode ser política.

Por muito que se tente defender o mercado ou a livre iniciativa individual, num território de baixa densidade populacional como a Guarda, na atual situação económica e social, o neo-liberalismo puro e duro não tem a resposta necessária.

Só com políticas públicas potenciadoras do investimento, apoiadas nos fundos do novo QCA e direcionadas à economia real, será possível tirar o interior da morte lenta a que vem sendo condenado.

Mas políticas públicas como? Qual a saída que a democracia e o sistema constitucional têm para nos oferecer?

A regionalização faz muita falta e é nas crises que mais notamos a sua necessidade.

Até lá, e no imediato, a Guarda deve propor e defender um pacto territorial para o desenvolvimento sustentável do seu Distrito.

É com base no Distrito que a Guarda ganha escala para disputar a liderança territorial e a capitalidade regional que lhe permitam ser cada vez mais uma cidade de serviços e uma plataforma logística empresarial, com áreas rurais circundantes revitalizadas.

Os nossos pontos fortes são decisivos e devem ser explorados com agressividade competitiva: localização geográfica privilegiada com contexto nacional e ibérico, excelentes acessibilidades, património histórico, cultural e natural únicos, recursos hídricos, termais e produção de energias renováveis, produtos regionais certificados, ensino superior e profissional de qualidade, plataforma logística, bons equipamentos sociais, produções agrícolas autênticas e o saber fazer nos sectores tradicionais, oferta diversificada de produtos turísticos…

Matriz da nossa identidade, o distrito da Guarda está, desde há muito, confrontado com desafios vários. Da resposta a esses desafios depende em larga medida a qualidade do nosso desenvolvimento, o nosso futuro.

E o nosso futuro é aqui; desistir nunca, nós não somos gente dessa têmpera!

Resistir é a opção que nos resta até porque são poucos os riscos que corremos.

Não temos mais tempo para errar outra vez.

Por: Santinho Pacheco *

* Foi Presidente de Câmara Municipal de Gouveia de 1982 a 2001 e Governador Civil do Distrito da Guarda de novembro de 2009 a junho de 2011.

Sobre o autor

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