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A greve e o crucifixo

Menos que Zero

Um dos traços mais peculiares da sociedade portuguesa é a falta de cultura democrática dos que se dizem ser os arautos da democracia. A semana passada, os acontecimentos ocorridos à porta dos serviços de limpeza da Câmara do Porto provaram-no mais uma vez. Um grupo de grevistas tentou bloquear a saída dos camiões, furando pneus e insultando colegas que saíam para cumprir os serviços mínimos. Estes “democratas” entendem que a greve é um direito, mas não fazer greve é um crime de lesa-majestade.

Critiquei a actuação dos trabalhadores num espaço público e apareceu de imediato alguém a defender a actuação dos sindicalistas.

– O problema é que neste país existem sempre os fura-greves, mais conhecidos como FDP, que ficam bem vistos por não fazerem greve e acabam por beneficiar dos direitos conseguidos pelos que a fizeram.

Este argumento lembrou-me a recente polémica em torno da nota do Ministério da Educação onde se pede às escolas que retirem os crucifixos das salas de aula. Alguma esquerda, encabeçada pelo candidato Louçã, veio a terreiro defender a medida, lembrando que Portugal é um Estado laico.

É verdade, mas convém esclarecer que Estado e sociedade não são a mesma coisa. Por exemplo, se os pais dos alunos acharem por bem manter o crucifixo numa sala de aula, ele fica no lugar onde sempre esteve.

Inicialmente, achei curiosa a preocupação do Ministério da Educação com estas minudências, quando o sector está em autêntico pé de guerra. Mas agora até compreendo a ministra: embora não me lembre de nenhum caso de abandono escolar por causa do crucifixo, sabe-se lá se um dia destes não aparece um paizinho laico a exigir uma indemnização ao Estado, alegando que a presença do crucifixo na sala de aula traumatizou o filho a ponto do rendimento escolar ter baixado significativamente.

Chamo a questão do crucifixo a este espaço para recuperar o argumento do sindicalista em que relação aos tais “benefícios” conseguidos por alguns, mas gozados por todos. Seguindo o mesmo raciocínio, vale a pena lembrar os virtuosos laicos defensores da retirada dos crucifixos que, para manterem uma certa coerência com os seus rígidos princípios, deviam tomar duas medidas: recusar o subsídio de Natal e, já agora, apresentarem-se no local de trabalho nos vários feriados católicos ao longo do ano, começando já nos próximos dias 8 e 25 de Dezembro.

Por: João Canavilhas

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