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A greve é mais que um direito

Crónica Política

Quero felicitar os professores que aderiram à greve realizada no primeiro dia dos exames, bem como às lutas travadas nos momentos de avaliação. Espero que no dia da greve geral, no próximo 27 de junho, a adesão tenha o mesmo impacto não só na educação, mas em todos os setores públicos e privados. Isso seria uma verdadeira revolução da chamada cidadania. Todos temos a noção clara que são estes momentos que demonstram a natureza de classe de quem nos governa ou governou, é algo confrangedor ver alguns políticos do PS fazerem cambalhotas.

Se a greve de professores para dias de exames nacionais ou a greve dos enfermeiros, médicos ou outros profissionais de saúde não trouxessem as eternas discussões dos supostos danos colaterais provocados a terceiros seria estranha. Convido os meios de comunicação social a fazerem um trabalho imparcial, não se escudem em artigos de eufemismo editorial e investiguem os percursos de destruição dos serviços públicos, de entrega de interesses de monopólios do Estado aos privados, mantendo-se o monopólio, agora nos interesses dos acionistas das empresas privadas, onde a malha fiscal beneficia os referidos acionistas. Mais um exemplo de classe.

A situação muito comum quando há greve nos transportes públicos, que é aproveitada até à exaustão para denegrir os trabalhadores em luta, estendeu-se agora aos professores por razões de calendário. Na greve geral vai alargar-se aos enfermeiros e médicos porque foram adiadas cirurgias e consultas.

Mais uma vez, a comunicação não investiga o modelo de negócio público-privado através de entrega de avultadas quantias da ADSE aos hospitais privados, milhões de dinheiros públicos para construção de edifícios para os privados, Misericórdias e outras IPSS, milhões que entregamos aos privados em rendas e edifícios públicos subaproveitados. Temos assistido à novela em torno do Hospital entre PSD e PS. Se têm dificuldade para justificar ficarem com espaço devolutos, apresento desde já uma proposta para a instalação da USF Ribeirinha no espaço das atuais consultas externas, com acessibilidade ao laboratório e ao serviço de Imagiologia. Poupamos na renda de milhares de euros mensais, rentabilizamos ainda mais a capacidade instalada e enaltecemos a resposta pública.

Basta das opções políticas de fomentar a vertente de Estado financiador. O Estado tem que continuar a ser prestador, analisem as opções das parcerias público-privadas nas rodovias, saúde e outras onde o regulador falhou por intuição da matriz de quem os nomeou. O caminho tem potenciado a contratualização com empresas privadas, por exemplo, os 48 enfermeiros em falsos recibos verdes na ULS da Guarda, as dezenas de contratos de prestação de serviços com empresas médicas ou médicos, uma opção de classe do PS e PSD. Importa referir que houve mudança de Governo e de CA e a situação de precariedade e de prestações de serviços mantêm-se, faltam medidas políticas capazes de fixar médicos no interior, acabar com o calvário das fundamentações jurídicas dos contratos quando os profissionais são necessários para cumprirem funções permanentes. Já agora lanço um repto às ordens profissionais que olhem para o interior com outros olhos. As dotações seguras devem ser em todas as instituições. Pagamos os mesmos impostos e a acessibilidade não é a mesma.

Não consigo entender as pessoas que, quando entrevistadas, afirmam compreender as razões da luta mas que logo de seguida constroem um discurso a pedir aos grevistas que tenham em conta os seus interesses legítimos. Uma greve sem consequências é algo que não existe e dizer que se compreendem as razões, pedindo que se não se faça greve, é um assinalável exercício de descaramento.

A greve de professores traz naturalmente incómodos e eventuais prejuízos aos alunos e é natural que as associações de pais se posicionem. Mas deveriam fazê-lo colocando-se ao lado dos professores na defesa do ensino público, não apenas compreendendo as razões da greve, mas percebendo que esta também é em defesa dos interesses dos nossos filhos. Estou à vontade para afirmar isto, pois participei em reuniões no Conselho Pedagógico e, com outros pais, na exigência de uma resposta pública de Componente de apoio à família, na exigência de um ATL público nas instalações do Centro Escolar da Sequeira. Mais uma vez uma opção de classe, neste caso da gestão autárquica do PS, por sinal o mesmo que deu enxertia de dois candidatos, mas o PSD não sai chamuscado desta contenda. Leiam as atas da Assembleia Municipal da Guarda e vejam quem defende os interesses públicos. Temos que assumir a nossa natureza de classe, infelizmente há muitos dirigentes sindicais que de dirigentes só o são de nome, pois aprovam nas costas dos trabalhadores alterações nefastas. A seu tempo tratarei com análises concretas o que escrevo.

Este é o momento em que todos temos que estar nas lutas todas por um objetivo maior que o projeto de vida individual. É uma questão de defesa civilizacional e se deixarmos que o retrocesso nos leve até à lei da selva, de nada valerá aos nossos filhos, aos nossos pais e nosso avós. A greve, além de um direito constitucional, é um dever de cada um de nós, enquanto trabalhadores, unirmos esforços mesmo que num quadro de opções ideológicas e de outra natureza colidam com os nossos interesses de classe. Sou trabalhador e não defendo os interesses da classe que nos explora.

Por: Honorato Robalo

* Dirigente da Direção da Organização Regional da Guarda do PCP

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