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A greve de professores

Várias semanas após a greve dos professores a mais respeitada imprensa lusa continua a falar dela. Ou porque a FENPROF vai meter o Governo em Tribunal, já que o Ministério da Educação exigiu o rol dos grevistas (DN de 6-VII), ou porque uma leitura do empático Diário de Coimbra (7-VII) escreve que “o Direito à Greve foi um deles!!!” [dos “Direitos que tanta falta nos faziam”, antes do 25 de Abril], ou porque…

Se o que em Portugal passa por ser democracia tivesse outro vigor, isto não acontecia, mas o nosso país é uma realidade peculiar e sem termos isso em conta é, cabalmente, como se se tratasse de cegos que, ademais, não soubessem dirigir-se para o Futuro.

Expliquemo-nos. Num momento crucial da História da Humanidade Portugal ficou à margem. Na Alemanha, após a fixação das 95 teses à porta da capela de Vitemberga, por Lutero, claro, duas teologias entraram em confronto – até hoje. E, na pátria de Gutenberg, os espíritos, à compita, moveram-se com a máxima energia psíquica na direcção do mais sublime. Nazismo à parte, os resultados estão à vista: na Europa cultura nenhuma se compara à alemã – nem de longe.

Em Portugal, a Igreja – apoiada pelo poder político – pôde descansar e… fazer mal. Baste-nos lembrar a Inquisição e o Indéx e as desculpas que, por causa de Galileu, o anterior Papa pediu… vários séculos depois. “Não obstante todo o seu valor, a crença tem uma enorme sombra, uma capacidade para o mal, tão importante como o seu potencial para o bem” (Thomas Moore, A Alma e o Espírito, pág. 41.).

Há atentados tão graves à consciência e à identidade psíquica de um povo que ou levam um tempo “infinito” a superar, ou superam-se mal, ou geram aberrações.

A Igreja, em Portugal, no séc. XVI, teve um êxito total sobre os reformistas. Mas, lembrando o autor espanhol Francisco Umbral, “um tolo jamais recupera de um êxito”.

Como já temos escrito nestas páginas, sentimo-nos cada vez mais religioso, mas sobre os monstruosos erros da Igreja, mais uma vez, remetemos para as desculpas pedidas por João Paulo II.

O que no séc. XVI se passou em Coimbra no Colégio das Artes, os 9.000 portugueses que, durante o período filipino, frequentaram Salamanca, o estado de humilhante degradação em que Carvalho e Melo encontrou a Universidade, donde a reforma que culminou em 1772, os vários períodos em que, durante a saga do Liberalismo, a mesma universidade esteve encerrada e… – neste preciso momento – o degradante espectáculo – já do domínio público – que são as disputas, dissidências e discrepâncias entre os docentes coimbrões, o acervo, enfim, é eloquente ad nauseam.

Ou seja: a Universidade não presta e a Igreja é fraca. Isto, que só ainda vi escrito por Vasco Pulido Valente, é que explica o conatural atraso português.

Como a Igreja é que tudo podia e determinava, como liberdade e iniciativa eram miragens, “só Deus é que nos pode valer”, a nós, coitadinhos.

Onde, no mundo inteiro, se encontram o sufixo inho? Coitadinho…

Em Portugal houve revoluções, claro. O Liberalismo acabou com dois partidos corruptos; a República, humilhantemente, “despedida”; o “Estado Novo” nunca entendeu o valor da liberdade; e ao 25 de Abril já ninguém saúda. Há escassos meses, O Interior noticiava, a este respeito, que as pessoas preferiram as esplanadas aos festejos cívicos.

Assim estamos na estrutural identidade lusa: abrigar-se à protecção de alguém e, alcançado um lugar, mantê-lo – custe o que custar.

O pobre-diabo procura um padrinho (“Quem tem padrinho não morre moiro”) e… troca-o se trocar a cor do Governo. E os políticos – que, se não o fossem seriam perfeitamente anónimos – agarram-se ao Poder.

Se perguntássemos aos 250 deputados que estão na Assembleia da República que prospectiva vêem para Portugal, quantos responderiam? Ideologia? A do PC é um miasma; a do CDS, este não consegue impô-la; o BE é uma… folclórica, digamos, emanação lusa; os outros dois são as lapas agarradas à rocha, cujas clientelas esperam a contabilidade da mercearia.

Isto é: nem a Imprensa compreendeu a greve dos professores, nem o Ministério da Educação teve a dignidade de entender que uma greve merece o respeito máximo, porque é uma afirmação de total honradez. O ar intimidatório e a “República dos Açores”, de Sua Excelência, aí estão eloquentes.

A mais ou menos péssima cobertura que a imprensa egitaniense fez da memorável jornada que foi, na nossa terra, 20-VI transacto – em que este honrado jornal se salpicou bem salpicado – não é nenhuma metafísica.

Estudar é muito mais que comprar livros e obter um diploma…

7-VII-05

P.S.: Na já muito glosada entrevista de Freitas do Amaral ao DN, o Prof. depreciava a greve dos professores. Continua a não lograr credibilidade.

Por: J. A. Alves Ambrósio

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