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A grande «pequena música» de Carlos Paredes

Documentário musical evoca os 35 anos de carreira do guitarrista na Mediateca VIII Centenário da Guarda

O virtuosismo de Carlos Paredes é revisitado na Mediateca VIII Centenário da Guarda na próxima quarta-feira através de um documentário musical onde companheiros e amigos guiam os espectadores pela genialidade e tragédia de um mestre da guitarra portuguesa. “Carlos Paredes – Crónica de um Guitarrista Amador: Comemoração dos 35 anos de Carreira” é um pequeno contributo para o mito do guitarrista cuja maestria está presa de uma mielopatia (hérnias na medula) que lhe prende os movimentos, impossibilitando-o de manejar a guitarra há quase dez anos.

Este documentário apresenta depoimentos, entre outros, de Rui Veloso, Vitorino, Pedro Caldeira Cabral, António Vitorino de Almeida, que revelam o percurso artístico rico e diversificado do autor dos inesquecíveis “Mudar de Vida”, “António Marinheiro” ou “Verdes Anos”. Nascido em Coimbra em 1925, Carlos Paredes cultivou uma carreira de modéstia pessoal e nunca se dedicou à guitarra como um profissional, mantendo sempre o seu trabalho de arquivista de películas no Hospital de São José. Um quotidiano banal ofuscado pelo sublime dedilhar da guitarra portuguesa e a composição ímpar de autênticos hinos de gerações (veja-se “Verdes Anos”, do filme homónimo de Paulo Rocha em 62). De resto, as peças centrais da sua carreira resumem-se a três ou quatro LP, como “Guitarra Portuguesa” (1967), “Movimento Perpétuo” (1971), “Espelho de Sons” (1988) ou “Na Corrente” (compilação de 1996), mas que são todas obras primas da música portuguesa. Em 35 anos de carreira, não terá assinado mais de uma dezena de longas durações, algumas delas em colaboração com outros músicos, caso de “Invenções Livres”, em 1986, com António Vitorino d’Almeida, e “Dialogues”, em 1990, com o contrabaixista de jazz Charlie Haden, para além de ter acompanhado à guitarra a poesia de Manuel Alegre, em 1975, no álbum “É Preciso Um País”.

Paredes é mesmo considerado um aristocrata da guitarra portuguesa, já que descende da mais importante e perfeita linhagem de guitarristas portugueses do século XX. O seu avô Gonçalo e o seu tio-avô Manuel já tocavam o instrumento por volta de 1900 e o seu pai, Artur, foi o homem que revolucionou a guitarra de Coimbra, afastando-a progressivamente, na técnica de execução e no próprio fabrico, da guitarra de Lisboa, complexificando nomeadamente as interpretações, introduzindo as variações na música popular e apresentando a versão definitiva de “Balada de Coimbra”. Uma tradição familiar que Carlos Paredes assumiu em 1957 quando, aos 22 anos, firmou o seu próprio nome ao gravar o seu primeiro EP para a editora Alvorada. Cinco anos depois, surgiu “Verdes Anos” e a confirmação da sua genialidade. Acompanhado durante décadas pela viola atenta de Fernando Alvim e, já no final dos anos 80, pela sua companheira, Luísa Amaro, o guitarrista elevou a sua «pequena música» – como dizia – ao estatuto de clássico nacional, impondo mesmo o seu nome no estrangeiro, sem nunca abandonar a sua desconcertante humildade, julgando sempre que tudo aquilo que fazia era de muito limitada importância.

Luis Martins

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