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A fruição estética da recepção – Playboy, versão portuguesa

Observatório de ornitorrincos

Tenho nas mãos o segundo número da versão portuguesa da revista Playboy e confesso-me desiludido. Não porque as raparigas mostrem pouco púbis, como reclamou no Público um leitor atento, mas porque os artigos são fracos. E é por demais sabido que a Playboy é uma revista que se compra por causa dos textos.

Esta edição oferece ao leitor duas entrevistas. Uma a Mário Crespo, outra a Inês Castel-Branco. Ambas com o grau de profundidade exigido a uma publicação deste calibre. Onde Crespo suspira por Nelson Mandela, Inês relata o maior beijo técnico da carreira. Assim como o pivot do Jornal das 9 discorre sobre o jornalismo contemporâneo, a actriz explica a origem dos seus olhos verdes (são de família, aparentemente). Reportagens sobre Xangai, o autódromo do Algarve e incêndios florestais, uma análise de fundo à equipa de futebol do Barcelona, opinião de Ana Anes e Nuno Markl, um conto de Pedro Paixão, consultórios sexuais, anedotas, hotéis e outras bugigangas completam a revista. Esta é a parte importante da revista. Pelo meio aparecem algumas fotografias de raparigas acaloradas e, por conseguinte, sem roupa. Sabendo-se que é por causa dos textos que os homens compram a revista – estas coisas sabem-se sempre – alguém tem fazer o árduo trabalho de analisar atenta e detalhadamente as fotografias, o seu contexto simbólico e a sua estrutura de significados. Desinteressadamente e em nome do conhecimento, este vosso servidor dispõe-se aqui a tal tarefa.

Comecemos – por assim dizer – com Margarida Gonçalves, a playmate do mês, uma algarvia movida pela solidariedade e que perspectiva trabalhar em projectos de cooperação para o desenvolvimento. Consta que participou num curso de diálogo intercultural na Turquia, país onde a nudez pública é evidentemente mal interpretada, provavelmente em nome desse mesmo diálogo intercultural. A miss Maio aparece num espaço rural, entre troncos de árvores e pequenas cascatas, em poses que variam da Vénus de Botticelli à Vénus de Zalman King, num registo que nos leva do classicismo ao modernismo, do casto ao badalhoco.

Mais exuberante é o tema de capa, a ex-modelo Cláudia Jacques, que afirma não se importar de ter “uma vaidade com peso e medida”. Para dizer a verdade, tem duas vaidades, com algum peso e bastante medida. Ali há engenho humano. A teoria da evolução das espécies só por si não consegue explicar protuberâncias tão longas e erectas. Em duas fotografias, Cláudia surge acompanhada de coelhos de peluche, no que um desconstrutivista consideraria uma narrativa da supremacia masculina de uma sociedade patriarcal mas eu considero apenas uma mariquice. O pó dourado que a cobre noutras imagens é com certeza uma alusão à época de ouro da Playboy, de que este exemplar só pode cheirar o pó. Puro intelectualismo exibicionista este de jogar com auto-referências. Isso até Os Simpsons fazem e não precisam de tirar a roupa.

Finalmente, o terceiro ensaio – é assim que a Playboy designa um conjunto de fotografias com raparigas despidas – apresenta duas amigas em poses aproximadamente sáficas, vestidas apenas com o equipamento da equipa de vólei de praia da Playboy. Aqui o cenário é exclusivamente branco, num tom religioso perturbante. A revista está nas últimas páginas e sobre um fundo branco excessivamente luminoso duas raparigas nuas abraçam-se. Provavelmente faleci depois da página 125 e o céu é isto. Se for o caso, acabo de descobrir dois argumentos contra o ateísmo. Ou quatro, para ser mais exacto.

Por: Nuno Amaral Jerónimo

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