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A formação ou a falta dela

O início do novo ano escolar transporta novamente a sombra da, ainda irmã menor do ensino “regular”, a formação profissional. Ter o 6º ou o 9º ano, a frequência do ensino secundário ou do ensino superior e inclusivamente possuir um bacharelato ou licenciatura pode ser um ponto de partida para a candidatura à frequência de uma das várias modalidades de formação profissional.

De facto é já do conhecimento geral a importância e os benefícios pessoais, sociais e económicos que a formação profissional pode significar no projecto profissional dos indivíduos. É também conhecido que uma formação profissional pode desenvolver as competências de empregabilidade dos indivíduos e consequentemente aumentar a possibilidade de ingresso no mercado de trabalho, contudo esta opção situa-se, frequentemente, como último recurso. Observa-se, igualmente, que muitas qualificações são neste momento, dramaticamente, excedentárias o que provoca a desestabilização dos indivíduos que as possuem e gera a “conhecida” angústia de não se poder fazer uso de uma qualificação na qual se investiu fortemente. Assistimos, por conseguinte, à ambiguidade de dois vectores algo contraditórios, por um lado faltam profissionais qualificados e por outro sobejam em determinadas áreas.

Estamos conscientes de que se trata de diferentes níveis de formação, no entanto existe um desequilíbrio da balança que tem origem na concepção do sistema educativo, que é de difícil conciliação com o cálculo do peso que cada modalidade formativa desempenha nos nossos interesses e/ou no suporte socioeconómico do país. Verifica-se então uma anomalia no percurso de aprendizagem dos indivíduos.

Todos somos, geralmente, encaminhados, como se de um funil se tratasse, para o ensino “regular”, opção que assume o carácter normativo e socialmente considerado como correcto. Em contrapartida, as alternativas à norma da opção pelo ensino regular são consideradas, pela consciência colectiva, como “irregulares”. O resultado deste raciocínio, ou melhor, desta norma social explícita ou implicitamente instituída, gera, novamente, dois vectores. O primeiro informa-nos que a formação profissional é sentida por educadores e educandos como uma opção menor para «quem não dá para a escola». O segundo vector resultante deste “preconceito” é o de que quem quer ser valorizado socialmente deve continuar no reconhecido ensino regular até chegar ao ensino superior e triunfar…ou não.

As consequências imediatas deste ciclo são, em primeiro lugar, o referido no primeiro parágrafo como falta e excesso de profissionais em determinados grupos profissionais. Em segundo lugar verifica-se a desvalorização social de determinadas profissões e interesses que são essenciais para a realização pessoal e para o próprio funcionamento social e que merecem todo o esforço pela sua dignificação.

A opção pela formação é, também, por muitos considerada como uma passagem intermédia para facilitar o acesso ao ensino superior ou inclusivamente encarada com o objectivo de simplesmente ocupar o tempo. Consideramos que deste tipo de decisão resulta o facto do benefício da formação implicar o risco de não ser abandonado pela sombra do motivo que originou a obtenção de um diploma de formação profissional. Como consequência deste género de opção podemos ainda ter o não cumprimento das expectativas inicialmente formuladas pelo aluno ou pelos seus tutores em relação aos objectivos colocados face à opção pela Formação Profissional.

Que belo dilema!

Como reflexão sobre este tema pensemos simplesmente na perspectiva através da qual percepcionamos as ocupações e o trabalho. Para começar deveríamos ter informação correcta e coerente sobre as várias áreas, modalidades de formação e ainda sobre a dinâmica do mercado de emprego. A seguir seria interessante perspectivar as profissões horizontalmente, ou seja, enquanto um todo no qual cada profissão desempenha um papel fundamental para o funcionamento e significado de todas as restantes, em vez de equacionarmos as profissões em pirâmide. Deste modo talvez consigamos dignificar e reconhecer a importância de cada interesse, profissão e trabalho e proporcionar aos outros e a nós próprios a liberdade de uma escolha vocacional …. antes de sermos sujeitos a escolher aquilo que as expectativas sociais nos recomendam e que, por vezes, por algum motivo, não conseguimos cumprir.

Por: Rui Vaz Correia

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