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A fé que faz renascer Luzelos

A aldeia já não tem habitantes, mas enche-se anualmente de pessoas por altura da romaria da Senhora da Luz

A romaria já não é o que era, mas a Senhora da Luz ainda tem muitos devotos. No último domingo, cerca de cinquenta pessoas encheram a pequena aldeia de Luzelos, uma anexa do Colmeal, no concelho de Figueira de Castelo Rodrigo, para pedir protecção contra as doenças da vista. Ou, como dizia uma mãe para a filha, que não compreendia a razão daquela magnificência, «é para que Nossa Senhora te dê luz», enquanto atirava mais umas moedas para a aba do manto da padroeira do lugarejo.

O ritual repete-se todos os anos em Luzelos no último domingo de Agosto. A aldeia despovoada enche-se de filhos da terra, familiares ou, simplesmente, devotos de Nossa Senhora da Luz. Vêm de todos os lados agradecer à santa ou pedir protecção e ajuda. Desde Pinhel a Figueira Castelo Rodrigo, por entre montes áridos e através da Nacional 221, mais conhecida por “excomungada”. «Venho pela fé», diz, convicta da sua devoção, Lurdes Valente, de 42 anos e natural de Luzelos. Desde criança que se lembra desta celebração religiosa e sempre participou na «festinha», como a própria lhe chama. «É que não há ninguém como a Senhora da Luz», acrescenta, enquanto olha, mais uma vez, para a imagem ornamentada em cima do andor. Nasceu ali, mas agora vive na aldeia mais próxima, Milheiros, outra anexa do Colmeal. «A vida assim quis», desabafa. Casou-se e foi morar para outro lugar com a família. «Agora, acho que vieram para aí uns caseiros, mas já não é como antigamente. Esta aldeia morreu», sentencia desconsolada. Contudo, assim não é um domingo por ano, quando renasce e se enche de gente por causa da romaria da Senhora da Luz. A igreja está a “rebentar pelas costuras”, por todas as portas e janelas há populares em bicos-de-pé a espreitar para tentar ver a padroeira.

Até o habitual peditório saiu à rua, pela mão de uma das mordomas da festa. Todos queriam agradecer «qualquer coisinha à Nossa Senhora da Luz», promessas ou milagres, atira envergonhada uma das devotas, que acende a sua vela numa espécie de candelabro preto colocado na rua. No átrio da pequena capela, os homens aguardam o início da procissão junto ao bar improvisado, o atrelado de um tractor, onde refrescam as gargantas, pois a tarde vai muito tórrida. Lá dentro, as mulheres entoam rezas e cânticos em louvor da Senhora da Luz. Durante cerca de três horas, os devotos sentem-se nas boas graças da padroeira de Luzelos, consagrando-lhe rosários, velas e outras oferendas. Sons e hábitos de vida que a aldeia já não está habituada, resignada ao silêncio do seu dia-a-dia sem habitantes. Para José Pereira, residente na Guarda, esta romaria é uma «festa de devoção e não uma comemoração popular». Todos os anos vem à aldeia por razões familiares, «a minha esposa é de cá», revela. A peregrinação religiosa já é uma tradição que «as várias gerações estão a tentar manter viva», acrescenta, apontando para os muitos jovens presentes.

«Esta devoção já vem de há muito tempo», recorda o padre António Monteiro, por detrás do altar ornamentado para a ocasião. Embora o lugar esteja despovoado, mantém-se a capela e as pessoas regressam para cumprir as sua promessas, «vindas de Pinhel, Quinta Nova, Penha de Águia ou Figueira de Castelo Rodrigo», enumera o pároco. Antigamente, até por cá habitavam famílias abastadas, «como os Seixas, de Figueira de Castelo Rodrigo, só que agora está tudo votado ao abandono», constata. Depois da procissão que percorreu as ruas estreitas da aldeia, por entre casas abandonadas, seguiu-se a arrematação das ofertas, junto ao bar improvisado, desde um pato, a uma galinha, um frasco de mel ou até uma garrafa de vinho do Porto. Tudo apregoado alto e bom som para o melhor preço. Nessa altura, as rivalidades entre a Quinta Nova, o Milheiro ou o Bizarril, aldeias mais próximas, são exaltadas para conseguir os melhores lances. A festa termina por volta das três da tarde, debaixo de um sol abrasador, altura para as famílias regressarem a casa e marcaram encontro para o próximo ano. No mesmo sítio e à mesma hora, mas com a mesma devoção.

Patrícia Correia

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