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A farsa do PS na defesa do Serviço Nacional de Saúde

crónicaPOLÍTICA

”Custa-me acreditar que seja assim. Aquilo que se diz lá por Seia e pela Guarda muitas vezes não corresponde à verdade”, palavras da actual Ministra da Saúde e cabeça-de-lista por Coimbra pelo PS a propósito de um problema levantado por uma organização sindical dos enfermeiros, por sinal o SEP. Perante estas palavras, deveria remeter-se ao silêncio e averiguar objectivamente o que se tinha passado e, por escrito, informar as populações servidas pelo Hospital Nossa Senhora da Assunção sobre o que realmente se passou e passa.

Mas vamos às “reformas” que tantos dizem, mas que, efectivamente, não correspondem à verdade de fortalecer o Serviço Nacional Saúde (SNS). Desde logo a “reforma” no modelo Unidades de Saúde Familiar (USF) gerou desigualdades, sendo de improvável aplicação geral e de baixa sustentabilidade. Além disso, a lei prevê a possibilidade da sua privatização (está na lei deste Governo PS).

Há muitos sofismas, mas os actuais Centros de Saúde ainda não são dotados de efectiva autonomia administrativa e financeira, de direcção técnico-científica e de uma organização interna descentralizada e baseada numa rede de unidades/equipas multiprofissionais, com missões específicas e objectivos comuns, e sobretudo que haja espaço à participação das populações. Este Governo PS não revogou a legislação do PSD quando criou os órgãos unipessoais nos Centros de Saúde, logo concorda.

Dos dados que disponho, em termos actuais, 77% dos médicos de família têm mais de 50 anos, quando em 2001 essa percentagem era apenas de 19%. Perante esta tendência, previsível, os sucessivos governos nada têm feito e não serão as tardias e tímidas medidas do actual a inverter esta situação. As consequências estão à vista, com centenas de milhares de pessoas sem médico de família no país.

No que diz respeito aos enfermeiros, a carência deriva apenas da política de restrição de trabalhadores na Administração Pública, que, para além de ajudar ao desemprego, deixa os serviços de saúde em difíceis condições para dar resposta à população e este Governo abriu a porta aos recibos verdes e à contratualização com empresas de prestação de serviços.

Considerando dados de produção da Administração Central dos Serviços de Saúde, podemos concluir que faltam nos hospitais portugueses pelo menos 15 mil enfermeiros. Já nos centros de saúde, e aplicando as regras da Organização Mundial de Saúde (OMS), para que todos os portugueses tenham enfermeiro de família, serão precisos mais 5 mil enfermeiros. Faltam, por isso, 20 mil enfermeiros no total.

Os enfermeiros em falta em relação aos necessários são 35% em todo o SNS, 42% nos centros de saúde e 33% nos hospitais. E isto enquanto milhares de enfermeiros estão no desemprego e o Governo aposta na sua precariedade e na negação dos direitos mais elementares na sua carreira.

Entre 2003 e 2007, os gastos privados em saúde aumentaram 33%, de cerca de 3.500 para 4.600 milhões de euros. Valor que corresponde, já em 2007, a 2,8% do Produto Interno Bruto (PIB) e significa uma despesa média por família de cerca de 1.200 euros por ano.

Uma parte significativa do aumento da despesa dos últimos anos deveu-se às medidas do Governo na área do medicamento. Ao contrário do que o ministro Correia de Campos disse até sair do Governo, a despesa dos utentes com medicamentos aumentou de 671 para 766 milhões de euros entre 2005 e 2007.

Outra das razões para a degradação do serviço às populações foi a política de concentração de serviços, com encerramentos baseados em razões economicistas e em falsos critérios técnicos, para favorecer a política da obsessão do défice. Assim aconteceu com inúmeras extensões de saúde, com serviços de atendimento permanente (SAP), com urgências hospitalares, com maternidades e blocos de partos. Em muitos sítios o serviço público foi substituído pelo privado, que passou a ser a única solução para as populações. Na Guarda, este Governo encerrou os internamentos de Pinhel, Manteigas e Gouveia. Mas a luta das populações – e naturalmente com o contributo do PCP e de muitos eleitos locais da CDU e de outros partidos – travou o encerramento dos SAP’s. Mas a opção mantém-se por parte do PS.

O “negócio” da saúde, cada vez mais invadido pela prestação de cuidados pelo sector privado, representou em 2008 um volume total de cerca de 16 mil milhões de euros.

O Governo manteve o programa de parcerias público-privadas, que impõe obrigações para o Estado durante mais de 30 anos, medidas aplaudidas pelo PSD, partido originário desta política.

O Governo desenvolve uma política do medicamento completamente refém dos interesses privados do sector. Mas enquanto abundam as benesses para o privado, escasseiam os recursos para o serviço público. De 2005 até 2009, as transferências do Orçamento do Estado para o SNS, em percentagem do PIB, diminuíram de 5,1% para 4,8%, num claro desinvestimento nos serviços públicos de saúde.

Este enorme desinvestimento reflecte-se também no investimento público em saúde. Desde o início da legislatura o investimento público em saúde diminuiu cerca de 40%, passando de 100 milhões para menos de 40 milhões de euros. Comparando com o último orçamento dos governos de António Guterres, o de 2002, verificamos que este investimento era de quase 200 milhões de euros, cinco vezes mais do que é agora.

Mas se o orçamento do investimento público em saúde é de menos 40 milhões de euros, o que o Estado paga, já em 2009, às parcerias público-privadas é cerca de 140 milhões de euros, 3,5 vezes superior àquilo que é atribuído ao investimento no SNS.

Um bom exemplo da orientação do Governo PS em relação ao sector privado foi a questão das maternidades.

Encerrou as públicas com o argumento do critério da não realização de 1.500 partos por ano e da segurança das parturientes, no entanto, e em relação às maternidades privadas, o Governo já adoptou critérios diferentes.

Em 2007, segundo a Entidade Reguladora da Saúde (ERS), dos 25 centros de nascimento privados, apenas dois faziam mais de 1.500 partos por ano e apenas seis faziam mais de um parto por dia. Além disso, foram detectadas outras graves carências patentes no relatório da ERS. No entanto, nenhuma maternidade privada foi encerrada pelo Governo.

E agora a ERS já moderou as exigências num segundo relatório, definindo apenas como essencial a realização de pelo menos três partos por semana, isto é, 157 por ano. Ou seja, dez vezes menos do que o Governo considerou necessário no sector público, daí que seja fundamental a luta pela defesa das três maternidades da Beira Interior (Guarda, Covilhã e Castelo Branco). Mais uma vez as populações, movimentos de utentes e profissionais de saúde deram as mãos pela defesa dos serviços públicos de saúde.

É momento das gentes da Guarda lerem atentamente as entrelinhas dos programas eleitorais dos vários partidos, para não “comer gato por lebre”. A defesa e fortalecimento do Serviço Nacional de Saúde é a aposta do PCP e da CDU, que nunca defenderão o princípio do Estado financiador do SNS. Somos efectivamente pelo Estado Prestador.

Já agora, a Constituição permitiu a liberdade de expressão a todos, seja na vertente política, sindical e social. Honra-me ser candidato pelo meu partido, mas tal facto nunca poderá coibir a minha intervenção sindical e cívica. O maior pedido de desculpas perante as populações do distrito e dos profissionais de saúde, onde se incluem os enfermeiros, deve partir deste Governo e dos seus vários responsáveis. Estarei sempre ao lado da defesa de quem trabalha e sobretudo na defesa dos serviços públicos.

Por: Honorato Robalo*

* dirigente do PCP da Guarda

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