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A faculdade do Doutor Guterres

Há coisas que se sabem mas não se admitem. Que, entre outros, foi fundamental o “papel que o engenheiro António Guterres teve como primeiro-ministro na criação da Faculdade de Ciências da Saúde” da UBI já todos sabemos. Mas atribuir-lhe um doutoramento honoris causa em pagamento dos serviços prestados, parece-me um gesto politicamente incorrecto. Existia talvez uma dívida moral, pelo que se entende este sinal público de gratidão pela parte de João Queiroz, mas quando um reitor vem agradecer o favor político, está desde logo a dar azo a interpretações dúbias. Desde logo está a politizar uma decisão que se devia manter no campo académico, e vem reforçar as criticas que eram feitas, de que a Faculdade tinha sido atribuída, mais por lobbie dos políticos ligados à região, do que pelo fulgor da universidade. Ora, era exactamente ao reitor da UBI que menos interessava que desvalorizassem a importância da universidade e a justiça de tal atribuição. Assim, creio por isso que foi um gesto de boas intenções, mas prejudicial para a própria instituição académica.

Para se atingirem determinados propósitos, sabemos que é preciso o empenho de muitas individualidades. Não ponho em causa que a boa vontade de António Guterres foi determinante na decisão de instalar na Covilhã tão relevante faculdade, mas esta vénia pública deu o ar de pagamento de promessa. Deixar no ar a impressão de que a decisão foi tomada por apadrinhamento político é redutora da força e credibilidade da UBI – que ganhou por mérito esta distinção, e é redutora do papel desempenhado por outras individualidades (políticas e académicas) – que agora ficarão a aguardar também o reconhecimento dos seus louros em todo o processo.

A gratidão é um valor nobre, pelo que é entendível o gesto reconhecido de João Queiroz, mas percebe-se menos que António Guterres desde logo tenha aceite esta lisonja. Só se compreende pela sede que tem em que alguém ainda lhe reconheça algo, num país que ainda está a pagar, com altos juros, os erros por si cometidos enquanto primeiro-ministro – as suas políticas esbanjadoras, a sua incapacidade de afrontar poderes instalados e fazer reformas, e sobretudo o seu desleixo de nos ter atirado para o “Euro” sem pára-quedas. Salvaguardando a sua reconhecida estrutura moral, diria que mais vale um Sócrates que cem Guterres, e este nem é um elogio para o actual primeiro-ministro, que também deve estar a aguardar pelo seu doutoramento honoris causa – e com razão! Até fez questão de vir pessoalmente lembrar isso….

João Morgado

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