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«A fábrica a trabalhar fazia mexer com tudo»

Comerciantes da zona da Guarda-Gare olham para o futuro com preocupação após o encerramento da Delphi

«A situação é negra». O sentimento de desânimo entre os comerciantes da zona da Guarda-Gare parece ser unânime quando confrontados com o encerramento oficial da fábrica da Delphi no passado dia 31 de Dezembro. Com a partida dos últimos 321 trabalhadores, os proprietários de estabelecimentos de diversos ramos olham para o futuro com inquietude e preocupação.

«A esta hora, a casa ainda estaria cheia e agora está vazia», realçou Salete Castro, proprietária do “Ana’s Bar” na tarde da última segunda-feira, numa hora que era sinónimo de mudança de turno na unidade fabril. «Eu é que não posso meter rodas na casa, senão mudava-me para outro sítio», disse no primeiro dia útil em que, após muitos anos de laboração, a Delphi esteve encerrada. Comerciante na zona desde 1982, primeiro com um pronto-a-vestir e depois com um café, não sabe se «ainda» tem esperança no futuro, embora diga que, «como isto tem alvará de fábrica e temos boas acessibilidades com a A23 e a A25, pode ser que “caia uma gota do céu”». Já António Oliveira, proprietário da pastelaria “O Forninho da Estação”, vê o encerramento da fábrica de cablagens com «tristeza e desânimo», assegurando que já sentia uma «diminuição de 50 por cento na clientela», daí afirmar que «a situação é negra porque chegaram a trabalhar aqui três mil pessoas e agora está fechada».

Quanto ao futuro, garante que não quer despedir nenhum funcionário, mas frisa que «só daqui para a frente é que vamos ver a que pontos é que isto vai chegar». «É um cenário crítico e muito delicado para nós e para quem perdeu o emprego», reforçou. Mesmo em frente à Delphi fica a Ourivesaria Primavera e a opinião do seu proprietário não difere da dos seus colegas de actividade, pois «com a crise, as coisas já estavam más e agora com o fecho da fábrica ainda ficaram piores». Fausto Matias diz mesmo que «há muita casa que não sei se se conseguirá manter aberta», uma vez que «vai ser muito complicado para qualquer tipo de comércio». O comerciante no Largo da Estação há 23 anos relembrou o caso da Gartêxtil que fechou e cujas antigas instalações «estão a cair aos bocados». «Espero que não aconteça o mesmo aqui, pois a Delphi tinha umas instalações de luxo, mas não é uma empresa com 20 ou 30 trabalhadores que vem para aqui», frisou.

Deu ainda um exemplo do que considera ser demonstrativo do pouco movimento que a zona regista: «Dantes quando chegava aqui de manhã havia sempre carros estacionados em segunda fila e agora é fácil estacionar», contou. Mesmo ao lado fica o café-cervejaria “O Telhado”, cujo proprietário também já começa “a fazer contas à vida”, até porque «nós vivemos de todos os clientes, mas somos capazes de ter 20 ou 30 por cento a menos por causa da fábrica ter fechado». Deste modo, perspectiva o futuro «com bastante apreensão» não só no seu caso, mas para «todos os comerciantes como supermercados, lojas de vestuário ou barbeiros por exemplo porque a fábrica a trabalhar fazia mexer com tudo». Quanto a Aurélio Freixo, dono de uma loja de roupa no Mercado Municipal de S. Miguel, garante que «o que nos valia a nós eram os clientes que trabalhavam na Delphi» e nesse sentido vê o futuro «cada vez pior», tendo em conta que «a fábrica vai fazer falta a muita gente». Da mesma opinião comunga Francisco Batista, proprietário de uma loja de artigos de caça e pesca no mesmo espaço, que defende que «o encerramento da fábrica afecta globalmente toda a gente porque eram centenas de euros que aqui ficavam e agora deixam de ficar».

Ricardo Cordeiro Este café costumava encher nas horas de mudança de turno na Delphi, mas na última segunda-feira o cenário era este

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