Há factos que merecem ser refletidos para além da sua simples constatação e que evidenciam uma nova fase no sistema político partidário em Portugal.
A circunstância de, pela primeira vez, o partido mais votado não ter formado governo, de existir uma coligação de governo que não ganhou as eleições, embora legitimada por uma maioria parlamentar, a absoluta irracionalidade ideológica das forças de esquerda marxistas no apoio à execução de um programa de governo de cariz capitalista e finalmente a assumida divisão no PSD entre liberais e social-democratas. É a crise de maturidade da democracia portuguesa.
Na União Europeia a regra da formação de governos é de coligações e os partidos políticos já não têm na ideologia a sua base programática, mas sim em matérias ambientais, de segurança e sociais. Desapareceram os partidos comunistas, que em Itália, França ou Espanha tiveram no passado alguma preponderância; os partidos socialistas em França, Espanha e Grécia passam por crises de identidade; surgem movimentos populistas à direita e à esquerda, assistindo-se a uma generalizada e contínua reformulação político partidária.
Portugal tem sido uma verdadeira exceção no que diz respeito ao quadro de estabilidade político partidário. Porém, o recentrar à esquerda do Partido Socialista, num quadro ideológico muito definido, e a recente crise no PSD que tem latente uma querela ideológica entre sociais-democratas e liberais, pode vir a médio prazo ser o embrião da mutação do sistema político partidário em Portugal.
A recente divisão no seio do grupo parlamentar do PSD, no quadro da nova liderança de Rui Rio, a clara inflexão de cariz ideológico no discurso e prática da nova liderança social-democrata, permite antever num horizonte de médio prazo uma cisão de que resulte a formação de um partido social-democrata que ocupe o centro e um partido liberal que dispute a direita. Ficaremos definitivamente mais longe do quadro de maiorias parlamentares de um só partido, assistiremos à fragmentação à direita, mas porventura também à esquerda, sendo que as questões de cidadania substituirão as referências ideológicas.
No quadro institucional da União Europeia o pós-Brexit trará inevitavelmente consequências só resolvidas pela evolução para um semi federalismo, com o reforço da transferência de poderes de soberania para a União. Decisivamente o quadro ideológico da União estará fixado sem espaço para o marxismo, o que não deixará de se repercutir em Portugal. E o futuro é já amanhã!
Por: Júlio Sarmento
* Antigo presidente da Câmara de Trancoso e ex-líder da Distrital da Guarda do PSD