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A Europa em desaceleração?

Em meados do século XIX, o nível da produtividade e do rendimento per capita eram semelhantes na Europa e nos EUA. Nessa altura, iniciou-se um processo de divergência, que resultou na queda para metade, em 1950, do nível da produtividade e do rendimento per capita da Europa relativamente aos EUA. No pós-guerra, a Europa iniciou um período de convergência extraordinário: em 2000 o nível de produtividade tinha praticamente convergido, mas o rendimento per capita era ainda aproximadamente 75% do americano.

Este movimento de convergência, associado às dificuldades económicas que a economia americana atravessou nos anos 80, teve como resultado uma vasta literatura apologética do modelo económico e social europeu. No livro Capitalismo contra Capitalismo, de 1991, e muito lido durante a primeira metade da década de 90, Michel Albert argumentava que os modelos alemão e japonês – modelo renano e variantes, nas palavras daquele autor francês – eram claramente superiores ao modelo de economia de casino americano. Como muitas vezes acontece, naquela altura a história não podia estar a afastar-se mais das então populares ideias daquele autor. A Alemanha entrava por essa altura numa crise para a qual ainda hoje não vê a saída; o Japão iniciava 10 longos anos de estagnação económica; e os Estados Unidos entravam no mais longo período de crescimento da sua história.

Surpreendentemente, a economia de casino, isto é, financiada em grande medida pelo mercado de capitais, é precisamente um dos factores a que hoje se atribui um papel importante no sucesso dos EUA durante a década de 90, ao facilitar o lançamento de milhares de novas empresas na área das novas tecnologias.

O quadro abaixo ajuda-nos a explicar por que é que a convergência da produtividade em relação aos EUA não foi acompanhada por uma convergência do PIB per capita.

PIB per capita PIB por hora Horas por pessoa

1970 2000 1970 2000 1970 2000

US 100 100 100 100 100 100

EU-15 69 70 65 91 101 77

O que se destaca da análise do quadro acima é a manutenção da diferença, nos últimos 30 anos, do PIB per capita entre a Europa e os EUA, apesar de uma grande convergência em termos de produtividade do trabalho. A razão para esta discrepância é a diminuição das horas de trabalho por pessoa que se registou na Europa devido a um aumento do período de férias, desemprego elevado e uma menor taxa de participação da força de trabalho. O resultado, como podemos ver no quadro acima, foi uma redução superior a 20% nas horas de trabalho de cada europeu. Um exemplo daquela tendência foi a redução, em França, da semana de trabalho para 35 horas. Da análise daqueles dados, o economista Olivier Blanchard conclui que a Europa utilizou parte do crescimento da produtividade para aumentar o lazer no lugar de aumentar o rendimento, enquanto os EUA fizeram o contrário.

No entanto, desde meados da década de noventa, a Europa voltou a perder terreno para os EUA, em termos do crescimento da produtividade do trabalho. É todavia importante salientar que embora Europa, em termos agregados, não tenha conseguido acompanhar os EUA, países como a Irlanda, a Suécia e a Finlândia tiveram taxas de crescimento da produtividade, durante os anos 90, superiores à dos EUA. Por que razão, desde o início da década de 90, o crescimento da produtividade abrandou na Europa e acelerou nos EUA?

O crescimento extraordinário da produtividade registado desde 1995, nos EUA, não pode ser dissociado das elevadas taxas de investimento durante a revolução das novas tecnologias da informação e comunicação: estas, segundo algumas estimativas, explicarão 80% da aceleração no crescimento da produtividade americana. A questão que então se coloca é por que razão a Europa, aparentemente, não conseguiu beneficiar das novas tecnologias da informação?

A incapacidade da Europa em acompanhar os níveis de investimento e de crescimento da produtividade americanos é atribuído por muitos ao modelo corporativo vigente na Europa, que não favorece a inovação. Empresas estabelecidas há muito tempo e com relações privilegiadas com os Governos; um peso ainda significativo dos sindicatos, quase sempre avessos a qualquer mudança; e um excessivo peso do Estado, cuja intervenção não dá os incentivos correctos aos agentes económicos. As políticas económicas e sociais da Europa, com os seus abrangentes programas de assistência social, não favorecem a cultura de iniciativa e de competitividade que prevalece entre os jovens americanos.

Um exemplo, referido pelo economista Edmund Phelps, das diferenças de organização social nas sociedades americana e europeia, e que pode ajudar a explicar a capacidade de iniciativa da primeira, são os diferentes percursos dos estudantes enquanto jovens. Nos EUA, é comum os estudantes do ensino secundário trabalharem em part-time, para poderem pagar eles próprios as suas actividades de tempos livres; e durante a universidade trabalham para pagar os seus estudos. Em média os jovens americanos deixam a casa dos pais aos 18 anos. Na Europa, e em especial em países como Espanha e Portugal, é comum os jovens abandonarem a casa dos pais e tornarem-se independentes por volta dos 30 anos!

A Cimeira de Lisboa, realizada em Março de 2000, surge como uma reacção a esta tendência e tinha (um documento recente da Comissão Europeia já veio dizer que dificilmente serão cumpridos os desígnios aí definidos) como objectivo tornar a Europa na área económica mais competitiva e dinâmica do mundo no ano 2010.

Alguns economistas mais optimistas, como Olivier Blanchard, acreditam que está neste momento em marcha na Europa um processo de reforma conduzido pelas mudanças nos mercados financeiros e dos produtos e que em breve se tornará visível no mercado de trabalho. As mudanças na Alemanha parecem sugerir que assim será. Mas as resistências aí encontradas mostram que não será fácil.

Em Portugal, continuamos à procura da melhor forma de colocar professores e a tentar começar o ano lectivo dentro dos prazos previstos!!!

Por: Fernando Alexandre *

* Professor Auxiliar de Economia na Universidade do Minho

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