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A esperança, a incompetência, o azar e o tempero

Crónica Política

Sendo a ULS da Guarda a maior empresa do distrito e aquela que mais transversalmente o integra e agrega do ponto de vista económico e sociológico, é sempre com esperança que assisto às mudanças dos respetivos conselhos de administração.

É que os últimos sete ou oito anos foram especialmente dramáticos e de muito má fama para a Guarda. Quando se pensava que as coisas já não poderiam bater mais baixo, elas bateram sempre! Não falando já do desastre que foi Fernando Girão, recordo que nenhuma das últimas três administrações terminou os seus mandatos com normalidade.

Se uma delas (a de Ana Manso) pecou tanto que permaneceu tempo a menos – onze meses –, a última (de Carlos Rodrigues, ou antes, de Álvaro Amaro) carreou os pecados do sistema e permaneceu tempo de mais à espera que um PS em autofagia e um governo um pouco a leste se entendessem para a sua substituição. É sempre muito mau para alguém permanecer casado apenas porque o conjugue não lhe encontra substituto…

Pelo meio ficaram inenarráveis episódios cuja cerejinha foi a revelação dos crimes fiscais de Vasco Lino e a posterior traição coletiva perpetrada pelos restantes elementos da administração quando, de forma fria e reveladora, assobiaram para o ar e aceitaram placidamente integrar o elenco seguinte. Diz-me como ages, dir-te-ei quem és…

Isabel Coelho aparece, pois, como a 25ª escolha de um problema que é recorrente e que se acentua a cada mudança de pele na instituição. Teria sido mil vezes preferível, para si e para nós, que tivesse sido a primeira escolha… há um ano atrás.

Ainda assim, a figura é-me simpática. Conhecendo-a apenas de vista, recordo-me de uma pessoa franzina, morena e algo emagrecida, aparentemente batida pelos anos e pelas preocupações de quem se interessa. Não ouvi colocar em causa a sua competência, o que é bom e raro no meio em que vivemos. Daí a minha esperança.

Mas é quando olho mais além que a porca torce o rabo… Vá-se lá saber porquê, Isabel Coelho escolheu para diretora clínica alguém que esteve ao lado de Ana Manso em tudo o que foi mau para o hospital e para a Guarda. Já nem falo do maridovsky que tinha à força de vir para cá. Basta-me a liquidação da fase dois do projeto do hospital, que ainda nos pode custar a todos uns bons milhões de euros em indemnizações judiciais.

Imaginemos, só como exercício, que o atual governo até se propunha retomar agora essa fase dois. Em que posição ficaria a diretora clínica de Isabel Coelho? Também assinava? Tal como fez com tudo aquilo que um dia lhe puseram à frente? Demitia-se? Tal como nunca foi capaz de fazer quando tal se impunha ética ou deontologicamente?

A personagem é o exemplo acabado do princípio de Peter, segundo o qual “Num sistema hierárquico, todo o funcionário tende a ser promovido até ao seu nível de incompetência”. Perdeu-se uma provavelmente excelente médica para se ganhar uma gestora que já provou o que vale e que por isso é o calcanhar de Aquiles da companhia. Até eu, que infelizmente sou utente assíduo e filho da casa, conheço porventura melhor do que ela muitos dos espinhosos dossiers do hospital! Isabel Coelho, que ademais vem de outra área, pode até ter certa desculpa, ao princípio, para tudo aquilo que não sabe. Mas nunca a terá por ter embarcado num barco que já vinha furado.

Para mim, só há uma explicação lógica para a inesperada ressurreição da coisa: não apareceu nada que fosse melhor…

Por isso, o problema, agora, para Isabel Coelho, passou a ser o facto de lhe ter sido concedido o direito a escolher toda a equipa. Se ganhar a parada, será elevada a um estatuto quase divino. Se cometer os mesmos erros dos outros, escolhendo apoiar-se nos mesmos médicos de sempre, estará condenada a engordar a já longa fila de desvalidos. Como erros todos nós cometemos, desejo muita sorte à Dra. Isabel Coelho. Se é sabido que quando no vinho despejamos água não há refeição que resista, que ao menos nunca lhe falte o apetite! Afinal, como diz o brasileiro, o melhor tempero do mundo é a fome…

Por: Jorge Noutel

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