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À espera de Noé

No passado fim-de-semana tive o prazer de fazer um passeio de bicicleta com os meus filhos no futuro, ainda não inaugurado, parque da cidade, que resultou do POLIS Guarda – o Parque Urbano do rio Diz.

É um espaço de lazer por excelência. É divertido percorrê-lo e tem grandes potencialidades lúdicas e desportivas.

Pena é que sejam, desde já, visíveis grandes fragilidades. Parece-me que em vez das zonas verdes com relva ou grama, temos magníficos “ervados”, que um grande número de árvores transplantadas já entregou a “alma” ao criador, que a emblemática cobertura multiusos, tendo em conta a sua configuração, o clima e a localização, virá a ter um curto período de utilização anual, que será apenas uma questão de tempo até que a maior parte dos bebedouros, bancos e outros apoios, sejam vandalizados, se não houver vigilância profissional e, por fim, que toda esta instalação estará simplesmente à espera da “grande inundação”.

Observando os estragos provocados pelas últimas trovoadas, e os que, no ano passado afectaram o local, é fácil verificar que esta zona do parque está condenada à catástrofe. Bastaram umas gotas mais grossas e, imediatamente, se tornaram visíveis, por todo o lado, cones de dejecção de sedimentos, arrastados das zonas mais elevadas, desprovidas de vegetação, em direcção ao Diz. Parece-me ridículo e, potencialmente catastrófico, que o rio Diz tenha ficado reduzido a um canal irregular, assoreado e atafulhado de vegetação em toda a zona em que este atravessa o parque, mas também a montante e a jusante. Assusta-me pensar na enorme bacia de drenagem que se encontra a montante, com origem na zona do Instituto Politécnico que debitará, em caso de precipitação intensa, milhões de litros de água, que irão desabar sobre o pobre riacho sem apelo nem agravo. Será que não foi tida em conta, na altura do projecto, a localização em leito de cheia desta instalação? Será que ninguém se recorda das grandes enxurradas que, ciclicamente, atingem a nossa cidade e que, naquele local, fazem chegar o nível das águas quase ao tabuleiro da velha ponte? Na realidade, quando isso acontecer, muita coisa cara irá ficar submersa. Vaticino grandes encargos com a reposição do material destruído sazonalmente, nomeadamente com as edificações de apoio ao parque e a zona lúdica infantil, posicionada, escassos centímetros, acima do nível do leito aparente do Diz, e, catastroficamente, em pleno leito de cheia. Seria cómico, se não fosse trágico. A somar a tudo isto, aparentemente, têm feito letra morta dos pedidos por parte de algumas entidades, para a limpeza e desassoreamento urgente de toda a zona, leito e margens, a jusante da ETAR de S. Miguel. Sem um rio Diz devidamente desimpedido, aprofundado e alargado, será impossível escoar de forma eficaz um caudal anormalmente elevado, como é o característico de uma tromba-de-água ou o de uma precipitação intensa e prolongada. Como munícipe e contribuinte compete-me ser mais um a “gritar” por ajuda. Será que a velha lei que limita a construção em leito de cheia está escrita em chinês? Sacrificou-se o bom senso à estética e isso, na minha opinião, vai ter consequências graves para aquela zona. Soluções aparentemente simples como a elevação das zonas de construção e das instalações lúdicas e desportivas, um correcto dimensionamento do leito do Diz, a pensar sempre no pior dos cenários, e uma eficiente e continuada limpeza de todo o curso, a montante e a jusante do parque urbano, poderiam poupar-nos muito dinheiro, mas como me parece que, neste caso, a casa começou a construir-se pelo telhado, lá iremos todos apelar a Noé, sempre que as condições meteorológicas forem fortemente desfavoráveis à nossa cidade, transformando aquela zona do Parque Urbano do rio Diz, num pântano ou… no Parque Aquático do rio Diz!

Por: José Carlos Lopes

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