Tudo se precipitou quando a Câmara Municipal da Guarda decidiu, por volta de 2013, levar a estátua de D. Sancho para a rotunda da central de camionagem, precipitando os protestos dos moradores da zona: “se não serve para a rotunda da Ti Jaquina, se é grande de mais para o largo da Igreja de S. Vicente, se é feia de mais para a rua principal das Lameirinhas, então aqui também não fica”. Tentou-se então, como último recurso, e depois de indemnizar os moradores da vizinhança, colocá-la ao pé da estátua do Monsenhor Alves Brás. “Ele o aceitará, nem que seja por caridade cristã”.
E assim ficaram os dois algum tempo, “na paz do Senhor”, até que um dia, de manhã, apareceu a estátua do monsenhor Alves Brás rachada ao meio, de alto a baixo. O cubo de pedra que lhe fazia as vezes de corpo estava desintegrado e a cabeça e os membros estavam espalhados pelo passeio e pela estrada. Tinha sido tamanha a brutalidade dos golpes que a cabeça tinha sido projectada a mais de vinte metros.
Não tardou que alguém reparasse que na espada de D. Sancho se viam vestígios de pedra e, aqui e ali, uns entalhes. A interpretação inicial da policia (“uma brincadeira dos poucos estudantes que restam no IPG, vamos resolver isto em três tempos”) parecia sólida, embora os jornais locais comentassem com sarcasmo a situação: “D. Sancho liberta Monsenhor Mendes do Carmo da sua prisão de pedra”; “D. Sancho revela a sua faceta anti-clerical”; “D. Sancho perde a cabeça depois de mais uma mudança”.
A coisa complicou-se ainda mais quando se visionou a gravação das câmaras de segurança colocadas na avenida. Quando os inspectores da Judiciária chegaram à gravação correspondente às três da manhã, viram estupefactos a cabeça da estátua do D. Sancho virar-se para o clérigo enquanto as duas mãos levantavam, bem acima da cabeça, a pesada espada de bronze. E depois, num gesto brusco e demolidor, a espada veio por aí abaixo, reduzindo a cacos o pobre vizinho.
Nos dias seguintes, a Guarda foi invadida por jornalistas, especialistas em ciências do oculto e charlatães das mais diversas áreas, incluindo um mago da informática que pediu para ver a gravação. Não tardou a descobrir que a passagem da espadeirada era uma habilidosa falsificação, obtida com um programa comercial de manipulação de imagem. Eu ignorava que esse programa deixava, como garantia de protecção do copyrigth, o nome do utilizador no código das imagens manipuladas. Não sabia também que era possível apagar essas imagens e recuperar depois as originais e que estas iriam mostrar o que realmente tinha acontecido nessa noite de quinta-feira, pelas três da manhã, revelando ao Mundo, para minha eterna vergonha, o rosto do perpetrador.
Uma Sugestão só:
Ponham o D. Sancho no seu lugar, antes que isto acabe mal.
Por: António Ferreira