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A escrita como retorno ou o Diário de Inverno de Paul Auster

Opinião – Ovo de Colombo

Ao completar 65 anos, Paul Auster, um dos grandes romancistas da atualidade, decidiu ter chegado o momento de revisitar a sua vida, numa espécie de viagem ao passado. Autor americano consagrado, com cerca de 18 romances publicados e vários livros não ficcionais, cinco guiões para cinema, Paul Auster é admirado, sobretudo, fora do seu país.

Recebeu dezenas de prémios e condecorações dos quais me permito destacar o Prémio Príncipe das Astúrias em 2006 (partilhado, aliás, com outros autores de renome como Vargas Llosa sobre quem escrevemos na crónica anterior). Refira-se que, já em 2003, a sua Trilogia de Nova Iorque havia sido eleita pelo The Guardian e pelo Observer como uma das cem melhores obras da literatura mundial.

Hoje, sugiro como leitura o seu mais recente livro, Diário de Inverno, publicado em Portugal em 2012, pela editora ASA. Desta vez, o escritor não precisou de viajar muito para encontrar o guião da sua narrativa, pois o que nos oferece nas 192 páginas é a sua própria história. À semelhança do que acontecera em Como inventar a solidão — em que de um modo arrebatador partilha a dor da ausência pela morte do pai — o autor imerge num processo introspetivo e serve-se da escrita para ir conversando consigo mesmo.

Pensas que nunca te vai acontecer, que não te pode acontecer, que és a única pessoa no mundo a quem essas coisas nunca irão acontecer, e depois, uma a uma, todas elas começam a acontecer-te, como acontecem a toda a gente.

Assim começa o livro… como se o escritor, confrontado com a inevitabilidade do curso do tempo, tivesse tido necessidade de se autoconvencer de que chegara ao inverno da vida, momento em que seria importante revisitar os diversos caminhos percorridos, os aspetos da sua história, dos mais relevantes, aos mais banais, desnudando-se perante os leitores.

Não se trata, contudo, de um diário canónico, cronologicamente organizado… pelo contrário, o autor, através de um interessante jogo com espaços, trivialidades, sensações e cheiros, convida-nos a percorrer as 21 casas que o foram acolhendo, desde a infância até ao presente, organizando desse modo o passeio dentro de si mesmo. Não é o tempo que pauta o ritmo da narrativa mas o espaço e tudo o que ele ganha de simbólico.

A escola e a adolescência, a iniciação sexual e a relação com os pais, os casamentos fracassados, as paixões, os amores e desamores, a escrita, os livros e o dinheiro, as historietas mais insignificantes… nada é esquecido nesta viagem, como se Auster procurasse autodescobrir-se e perceber o sentido da sua existência, quase que anunciando ao mundo uma nova etapa da vida.

A leitura deste Diário de Inverno permite-nos entrar na intimidade do escritor mas, sobretudo, a partir dela, conhecer a profundidade dos cursos de vida dos homens e aprender a refletir sobre a nossa própria vida. O próprio Paul Auster o sublinhou numa entrevista que deu à revista Lire: “O tu implica fortemente o leitor e leva-o a refletir sobre sua própria existência”.

Ana Teresa Peixinho*

*Professora da Universidade de Coimbra

Próxima semana: Eduardo de Mora

Sobre o autor

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