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A entrevista

Jogo de Sombras

Não é tanto pelo caso em si. É mais pela andança que deu. No fim-de-semana passado tive doze preciosos minutos de entrevista com o juiz Rui Teixeira para a Rádio Altitude, que correu o país. Não revelo o segredo por inteiro. Só admito que a oportunidade resultou, também, de compromissos: com o Clube Escape Livre (organizador da última edição da “Land Rover Rota Histórica”, em que o juiz participou), que acedeu a intermediar o contacto mediante a minha palavra e a da rádio de, mesmo sabendo antecipadamente da presença de Rui Teixeira, não a tornar pública; e com o próprio magistrado, com quem assumi o acordo de cavalheiros de tentar não tocar no tema da Casa Pia e de só divulgar a entrevista a partir da tarde de domingo, quando ele já estivesse a milhas. A conversa foi gravada às oito da manhã de Sábado, numa sala do hotel, com os omnipresentes seguranças de vigia à porta. Cordato, simples, bem-humorado, rematou a conversa com uma intuitiva verdade: “você leva aí um grande «furo»!”. Claro que não estávamos propriamente num encontro de anjinhos: nem ele ia convencido que falara apenas para os noticiários da Rádio Altitude; nem eu pensava noutro destino para a entrevista que não fosse, também, fazê-la render para dar visibilidade nacional à minha rádio. E lá fomos: ele para o todo-o-terreno no Vale do Côa; eu a fazer uma cópia de segurança e a negociar com a TSF e com o «Público» (os primeiros «contemplados») um tratamento à maneira, dada a exclusividade da «bomba». Só que uma estação de televisão também «pescou» o juiz no passeio, no dia seguinte. E fez durante toda a tarde um espavento, a garantir que tinha um «exclusivo». E não tinha. Para acabar com as manias, contactei uma estação da concorrência para ceder, se a quisessem para essa noite, a nossa entrevista. É uma aventura, telefonar para a televisão pública num domingo à tarde. A telefonista, a produtora, a colega, só um momento, a secretária da agenda. O editor do Telejornal? Nem pensar. Mas temos uma entrevista ao juiz Rui Teixeira, podemos cedê-la (ou ter a «cortesia», como se diz), porque há outra estação a dizer que a tem em exclusivo. “Rádio quê? Altitude? Da Guarda? Isso é na Serra da Estrela, não é?”. Pois. “Olhe, deixe o seu contacto”. No dia seguinte, mal a TSF abriu o noticiário da manhã com as declarações de Rui Teixeira à Rádio Altitude, foi aquela a primeira estação de televisão a telefonar para a Serra da Estrela (telefonaram todas a pedir o mesmo, incluindo a que julgava ter o «exclusivo»): queria a entrevista. Vivi um momento de deleite mordaz: expliquei-lhes que só a não tiveram antes porque não quiseram. Quinze minutos depois, ainda nem era hora de expediente, ligava-me, sem cerimónias, a conhecida directora-adjunta da estação. A forma como tinha sido atendido na véspera era grave, ia ter repercussões internas, e fazia questão de me pedir pessoalmente desculpas. Mas o dia ainda me reservava muitas surpresas. Telefonaram-me de um diário a perguntar a que horas passaríamos as declarações do juiz e qual era a frequência da rádio. Para quê? “Vamos tentar apanhá-la em Lisboa. Ou acha que não é possível?”… De outro jornal pediram-me autorização para transcrever a entrevista e ofereceram-me um cargo de correspondente, que educadamente declinei. Recebi ainda duas propostas para a rádio vender a gravação “a qualquer preço”. E atendi um responsável editorial de um semanário popularucho, enraivecido, que só queria que lhe respondesse, a título pessoal, a duas perguntas. Uma: “afinal, o Rui Teixeira é um gajo recatado ou é só um gajo porreiro, que dá entrevistas quando quer e a quem bem lhe apetece?”. Pareceu-me um gajo recatado, que faz o que entende. Outra: “E como é que uma merda de uma rádio local, desculpe lá a expressão, consegue a puta da entrevista e a malta aqui anda há meses atrás do gajo?”. Talvez porque não fazemos jornalismo de merda, acho eu, desculpe lá também o termo. Ainda faltava o tablóide que, depois de passada a gravação por telefone aí pela décima quinta cortesia do dia, quis fazer uma breve sobre o entrevistador. Idade, quantos anos de profissão, filhos, vícios, como é que consegui a entrevista e etc. Pediu-me também que recordasse «sinais particulares» de Rui Teixeira. Foi aí que me espalhei fatalmente: não soube identificar a marca de cigarros que o juiz fumava. O jornalista insistiu – mas só consegui lembrar-me de duas palavras que tinha a vaga ideia de ter lido no maço: «fumar mata». O meu perfil acabou por não vir publicado com a entrevista. E naquele dia deitei-me cedo, cansado e com uma fortíssima dor de cabeça. E a pensar que, por não prestar atenção aos detalhes essenciais, talvez nunca passe da cepa torta.

Por: Rui Isidro

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