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A emigração é mesmo uma desgraça?

Não gostava que me interpretassem mal (ainda ontem houve quem achasse que eu dizia que se gastava de mais com a Saúde, quando eu quis dizer que gastar mais com a Saúde é um bom indicador). Feito este alerta, aqui fica algo politicamente incorreto: acho que o choradinho que se faz à volta da emigração é muito exagerado, chegando ao ponto de não ter nexo.

Antes, porém, deixem-me dizer que, para cada pessoa obrigada a partir por falta de emprego ou condições económicas, para cada família que fica com menos um ou mais membros, para cada pai ou mãe que fica longe dos filhos, o assunto é trágico. Não duvido disso nem um pouco. Mas, entendamo-nos: de que falamos, quando falamos do drama da emigração? Dos dramas pessoais ou do drama social?

Se dos primeiros não tenho dúvidas, devo dizer que duvido do segundo. Retiremos, se for possível, a carga emocional daqueles que partem e dos que ficam privados do contacto diário com os seus entes queridos. Se quem parte vai à procura -e a estatística diz que, no geral, encontra – melhores condições (nomeadamente os mais qualificados, que são os que provocam maior choradinho), por que razão entendemos o assunto como um drama? Porque deixam de pagar impostos em Portugal? Porque deixam de colocar o seu talento ao serviço do país, depois de o país lhe ter pago os estudos? Mas isto não aconteceu sempre, embora em proporções diferentes?

Em 2005, muito antes da crise, Elsa Costa e Silva publicou no ‘Observatório da Emigração’ a seguinte informação: “um quinto dos portugueses com o ensino superior não trabalha em Portugal”. Sinceramente, salvo uns especialistas não via ninguém especialmente preocupado com isso, nem a considerar que Portugal fosse um país falhado por ter tantos emigrantes qualificados. Segundo dados do Banco Mundial (que diziam respeito a países com mais de cinco milhões de habitantes) Portugal já era o 21º país do mundo com a maior percentagem de licenciados a residir fora das fronteiras. Mais: no mesmo relatório indicava-se que, entre 1990 e 2000 (há já este tempo todo), o fluxo mundial de imigrantes qualificados cresceu ao ritmo de 800 mil por ano (em todo o mundo, recordo).

A globalização, a língua franca científica em que se tem tornado o inglês (ou uma espécie de inglês) faz o seu trabalho independentemente da crise. Como é natural, numa altura em que não há empregos, pelo contrário, há qualquer coisa como 800 mil desempregados (estimativas por baixo) é absolutamente normal que essa emigração aumente.

Mas é isto o retrato, como alguns dizem, de um país falhado? Não sei se a qualificação não é demasiado dura. A China, a Índia, o México, o Brasil (para falar em grandes países com percentagens enormes de emigrantes qualificados) são países falhados? Cabo Verde, que nos é tão próximo, cai nessa categoria, apesar de ser um dos países de África mais democráticos e estáveis, e um dos poucos onde o PIB tem crescido constantemente?

Sinceramente – e não esquecendo os dramas pessoais, que como é óbvio apenas os próprios conhecem – penso que se misturam facilmente os conceitos de emigrante – aquele que procura uma vida melhor para os seus e que muitas vezes regressa ao país onde faz obra significativa – com refugiado – aquele que não pode, correndo o risco da própria vida, morar no seu país de origem. Nas crises económicas os significados podem confundir-se, mas pessoalmente prefiro olhar para os nossos emigrantes como a prova de que o país continua, felizmente, a ter gente aventureira e capaz de correr riscos.

Apesar dos velhos do Restelo (e de muitos outros locais).

Por: Henrique Monteiro

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