A semana passada tivemos conhecimento público através da utilização de gravadores da primeira aula da educação sexual pós-moderna em Portugal. Ponto prévio, não tenho nada contra a educação sexual nas escolas. Quem me dera ter tido educação sexual na escola, mais especificamente no pátio de cima com a rapariga de olhos verdes do 11º B. Ela tinha ar de quem tinha muito para ensinar e eu, garanto-vos, tinha – tenho – muito para aprender. 20 anos passados, imagino-nos deitados numa alcatifa (estávamos em 1989, havia muita alcatifa), ela a explicar como duas pessoas usam uma coberta a um caixa-de-óculos que só percebia como o Pessoa se referia ao Encoberto. Tergiverso, é verdade, mas há tergiversações que nem 20 anos e 20 MB de banda larga conseguem apagar.
As conversas tidas com os adolescentes pela professora de História não são piores do que as conversas que os adolescentes de há 20 anos tinham – eu sei, estava lá – uns com os outros. Mas reconheço que um adulto deve evitar conhecer de forma tão próxima a intimidade de gente na pré-puberdade. E não sou eu o único a dizê-lo. Até a Igreja Católica irlandesa reconheceu isso a semana passada.
O que me incomoda neste relato são duas coisas. Primeiro, que as raparigas gravem as prelecções sexuais da professora de História e não a explicação da mitose da célula do professor de Biologia. Ouvisse a tantas vezes toda a descrição da divisão celular como ouvi a voz irritante da professora espinhense e nunca teria – nesse maldito ano de 1989 – tido aquela nota miserável a Biologia. Devo acrescentar que essa nota foi o empurrão final para deixar as Ciências Exactas e ingressar no mundo novo das Ciências Sociais. Não ter conseguido decorar a função das mitocôndrias é o facto isolado que provocou o resultado desastroso que têm perante os olhos. Podia ter uma coluna decente neste mesmo jornal sobre assímptotas e equações de segundo grau, muito mais do agrado do leitor médio do Expresso. Leitores mais familiarizados com o Observatório de Ornitorrincos perguntarão – e fazes bem em perguntar, Zé Carlos – a razão para eu não escrever sobre a minha área científica, a Sociologia. A resposta é simples, meu amigo, até a paciência dos leitores do Expresso tem limites.
E eis que no parágrafo anterior exponho uma parte da minha intimidade: aos 17 anos, eu gostava de ter um gravador para decorar a aula de Biologia e não para gravar as conversas badalhocas das minhas coleguinhas na croissanteria da Rua da Sofia. Não admira que a miúda do 11º B não soubesse nem o meu nome.
Em terceiro lugar – ou em segundo, para aqueles que estejam a contar – incomoda-me a incompetência e a falta de preparação daquela professora. Uma professora de História, para falar de sexo, pode perfeitamente integrar o assunto na matéria a leccionar. A história é um vibrante e gigantesco livro de fornicação, encornanço, gravidezes e cuecas encharcadas. Ninguém emprenhou tanto esse mundo fora como os portugueses à descoberta de novos continentes. Ninguém povoou África, a América e muitos úteros como os marinheiros portugueses. Se a professora queria um pretexto para falar de sexo nas aulas de História e não o descobriu, acho muito bem que seja suspensa e substituída por alguém que realmente saiba como as coisas se passaram. Eu sei. Em 1989, eu estava lá.
Por: Nuno Amaral Jerónimo