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A dúvida soberana

A proposta de Luís Amado sobre uma coligação ou entendimento político é uma daquelas que antes de ser já não era. É importante, realista e honesta. Mas falha no objectivo essencial. Para se dançar o tango não são precisas duas pessoas. Para se dançar o tango são precisas duas pessoas que queiram dançar o tango. E José Sócrates e Passos Coelho não querem.

Mas a entrevista mostrou algumas coisas importantes: que há uma pessoa no Governo que percebeu a situação excepcional que vivemos, que o Governo deixou de funcionar em bloco em questões estratégicas, que o primeiro-ministro não quer ouvir falar de uma coligação e que o PSD também foge dessa coligação como o diabo da cruz.

A entrevista de Amado desagradou tanto ao Governo como ao PSD. Cada um quer seguir o seu caminho. Por razões diferentes, PS e PSD querem estar longe um do outro. E é assim que vão estar até às eleições.

O risco do PSD é, apesar de tudo, bem menor. As sondagens dão-lhe a vitória numa bandeja e o CDS numa muleta. Até às presidenciais, Passos Coelho podia ir para o Madame Tussauds, pois quanto menos se mexer melhor. Depois terá que fazer o seu trabalho mas é óbvio que o vento corre a seu favor.

Mas o PSD tem um problema que não controla. Se o FMI aterrar na Portela num cenário de emergência, é possível que desaconselhe eleições antecipadas. Se Cavaco tiver a mesma ideia, o PSD e o CDS ficam numa situação desconfortável e podem ter que adiar a moção de censura. É um pouco irónico, mas, no limite, o FMI pode alargar o prazo de validade do Governo e adiar eleições… Concluindo, para o PSD é melhor que a situação não piore muito.

No meio disto tudo quase nos esquecemos de José Sócrates, o que é um erro primário. Mesmo na actual situação, a sua capacidade eleitoral não é desprezível. Mas sem se resolver a credibilidade internacional das nossas finanças e sem encontrar um rumo de governação está condenado a perder força a cada mês.

Sócrates tem um problema de dívida soberana que já não pode resolver sozinho e uma dúvida soberana na cabeça: deve ou não remodelar? Na minha opinião, remodelar não lhe serve para nada. Um espirro dos mercados e a ‘novidade’ desaparece num ápice.

Remodelar quando se está dependente de variáveis internacionais que não se controlam pode ser completamente inútil. Pode ser um sinal de fraqueza e uma perda de tempo, quando já se tem pouca força e pouco tempo. Resolver a dúvida não faz mudar o mundo.

Por: Ricardo Costa

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