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A droga da moda

Centro de Alcoólicos Recuperados do distrito da Guarda já ajudou mais de 1.600 alcoólicos

Cada vez mais popular entre os jovens, o álcool está a tornar-se a nova «droga da moda». Manuel (nome fictício) venceu o vício há cinco anos, com a ajuda do Centro de Alcoólicos Recuperados (CAR) do Distrito da Guarda, e hoje em dia recusa-se a tocar numa única gota daquele que foi durante largos anos o seu “maior amigo”. Mas nem sempre foi assim.

Experimentou a primeira bebida alcoólica com apenas 11 anos. «Mas foi na tropa que comecei a beber a sério», adianta. Aos 19 anos, Manuel lembra-se que «já não conseguia passar sem beber». Em 2002 decide procurar ajuda no CAR da Guarda e, devido ao seu estado de dependência, acabou por ficar internado após a primeira consulta. «A desintoxicação foi a melhor coisa que fiz na vida», admite, recordando que era discriminado «no tempo em que bebia» e posto de parte pela sociedade. Actualmente com 37 anos, Manuel não toca no álcool há cinco e frequenta, anualmente, as consultas do Centro Regional de Alcoologia de Coimbra. «Foi uma melhoria de 100 por cento. Antes chegava ao fim do mês e já não tinha dinheiro, porque gastava tudo no álcool, agora até consigo poupar algum», afirma.

Já David (nome fictício), com apenas 25 anos, é um dos mais jovens que, até ao momento, procuraram o apoio do CAR da Guarda. Em Março faz dois anos que aceitou a sugestão do pai para fazer o tratamento de desintoxicação. Experimentou pela primeira vez uma bebida alcoólica aos 14 anos, no entanto não se recorda como tudo começou. «Só sei que me perdi e que sentia cada vez mais necessidade de beber de dia para dia, até que chegou um ponto em que já não dava para controlar e chegava ao fim do mês sem dinheiro», lembra. Quanto ao seu processo de recuperação diz não saber «se foi ou não fácil», uma vez que a «força de vontade era muita e isso já é meio caminho andado». David esteve internado três semanas para desintoxicação e, actualmente, frequenta a consulta em Coimbra, de três em três meses. «Depois de sair da desintoxicação comecei uma nova vida», sublinha, mas sem esquecer o mau bocado por que passou. «Na rua, havia pessoas que me apontava com o dedo e outras faziam que não me viam», refere, avisando que «ninguém está livre de cair neste vício».

CAR há 25 anos a recuperar alcoólicos

Ao longo de quase 25 anos de existência, o CAR do distrito da Guarda já “deu a mão” a mais de 1.600 alcoólicos, hoje «totalmente recuperados», adianta o fundador e presidente do Centro. Carlos Brito, que efectuou os seus tratamentos há 28 anos e que, desde então, tem dedicado a sua vida a ajudar doentes alcoólicos e as suas famílias, faz um balanço «bastante positivo» da existência do CAR. «Fomos um grupo de inter-ajuda que apareceu e fizemos cair por terra muitos “muros de vergonha” que existiam à volta da doença chamada alcoolismo. Considero que, a nível nacional, fomos um exemplo para muita gente ao sermos os primeiros a “dar a cara”», sublinha. Desde então, «foram 25 anos de luta dolorosa e desgastante, mas compensadora», acrescenta o dirigente, que recorda que, «antigamente, o doente era rotulado como louco». Quanto à procura de ajuda no CAR da Guarda, Carlos Brito diz que o pedido é feito por familiares ou amigos, «muitas vezes anonimamente», mas também há quem o procure de «livre e espontânea vontade».

O Centro, fundado em 1983, conta com uma taxa de sucesso de recuperações de cerca de 80 por cento. No entanto, as dificuldades financeiras são mais que muitas. «É um trabalho que ninguém entende e que se torna muito dispendioso, por isso, este ano, vou ter que arranjar uma nova estratégia porque a receptividade das Câmaras é pouca ou nenhuma», lamenta. O CAR conta apenas com o apoio da Segurança Social e um subsídio anual atribuído pelo município guardense. Nesse sentido, o presidente admite que, «provavelmente», será forçado a cobrar as consultas aos doentes para ajudar a cobrir as despesas da instituição, que até agora ajudou «gratuitamente» cerca de 1.600 alcoólicos. Carlos Brito considera que o alcoolismo será «a doença da moda» se a lei que permite aos jovens consumirem bebidas alcoólicas a partir dos 16 anos não for alterada. Já a transferência das competências dos Centros Regionais de Alcoologia para o Instituto da Droga e da Toxicodependência (IDT) será «um passo atrás» na luta que vem travando pela «separação das águas» entre o alcoolismo e as drogas. «Com esta introdução não sei se os doentes não terão vergonha de passar por drogados quando vão à farmácia. Acredito que muitos deles terão medo de ser discriminados e deixarão de ir aos tratamentos», acrescenta. O CAR do distrito da Guarda comemora 25 anos a 7 de Dezembro 25 anos.

Tânia Santos

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