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«A dimensão do Agrupamento triplicou e gerir os problemas do quotidiano tornou-se muito mais difícil»

Cara a Cara – António David Gonçalves

P – Quais vão ser as suas prioridades enquanto diretor do Agrupamento da Sé?

R – Apostar na construção de uma escola de qualidade e com qualidade, dada a conjuntura imprevisível e adversa que atravessamos. As sucessivas mudanças que vão sendo impostas, a falta de recursos e os constrangimentos diários que a escola tem de enfrentar são dificuldades que o diretor tem de saber contornar, transformando os constrangimentos em oportunidades. Fazer isto significa caminhar em direção ao cumprimento de um projeto que visa, essencialmente, uma gestão democrática.

Assim, procurarei investir muitas das minhas energias na vertente humana e relacional do Agrupamento, designadamente no que diz respeito ao verdadeiro envolvimento e responsabilização de todos: docentes, pessoal não docente, pais e encarregados de educação, colaboradores e parceiros. É minha vontade agregar e mobilizar efetivamente todos os elementos desta recém-criada instituição, pese embora todas as especificidades associadas a cada uma das três unidades educativas. Outra grande prioridade será a formação de cidadãos críticos e conscientes dos seus deveres e direitos, capazes de atuarem como agentes de mudança, num ambiente participativo, aberto e integrador, numa escola reconhecida pelo seu humanismo e por elevados padrões de exigência e responsabilidade, que valoriza o conhecimento, como condição de acesso ao mundo do trabalho e ao prosseguimento de estudos.

Quero ainda implementar uma liderança e gestão de proximidade, que se traduzirá na ida frequente às restantes unidades educativas que compõem o Agrupamento para uma maior interação e abertura com alunos, pessoal docente e não docente.

P – O que o levou a candidatar-se?

R – As principais razões abrangem motivações de ordem pessoal e profissional; e ainda resultante de um demorado processo construído e partilhado a partir de numerosas trocas de opiniões com os mais diversos atores da comunidade escolar deste Agrupamento.

A minha enriquecedora experiência e desempenho de lugares de liderança, ao nível da gestão e administração escolar, veio efetivamente dotar-me de um saber técnico e abrangente construído no terreno, o que me permite, com alguma certeza, afirmar que conheço e sinto que poderei dar continuidade a um trabalho profícuo na construção de uma escola de qualidade e com qualidade.

P – Fez parte da Comissão Administrativa Provisória (CAP). Quais os principais desafios com que se depara, tendo em conta a criação do Agrupamento?

R – A nova realidade escolar exige determinação e querer, já que não se constrói um Agrupamento com decretos, mas com vontades. Difícil é conciliar o sonho, o desejo e as diferentes perceções de cada um com os interesses e as necessidades do conjunto que é o Agrupamento. Não há um único espaço disponível que nos permita reunir todos os professores de uma só vez: uma reunião geral do corpo docente está, portanto, fora de planos. A dimensão triplicou e gerir os problemas do quotidiano tornou-se muito mais difícil. Agrupar escolas geograficamente distantes entre si obrigou os professores a andar de um lado para o outro (manhã/tarde), de escola para escola e sem ajudas de custo. Foi e continua a ser um processo que ainda necessita de alguns ajustamentos, mas que exige o esforço e empenho de todos.

P – Já foi diretor da Escola de S. Miguel. Quais as diferenças que espera encontrar agora que é diretor do Agrupamento?

R – Atualmente o Agrupamento de Escolas da Sé aglomera o total das três unidades orgânicas, sendo que se verifica presentemente alguma dispersão das instalações de escolas dos jardins de infância e do 1º ciclo do ensino básico da escola sede (Secundária da Sé), bem como da escola básica de S. Miguel e escola básica Carolina Beatriz Ângelo, realidade que dificulta um acompanhamento pedagógico sistemático, exigindo uma coordenação mais atenta e apertada. A maior diferença tem a ver com número de pessoas, que ronda um total de aproximadamente 2.576 crianças e jovens e 499 profissionais (professores, assistentes técnicos e assistentes operacionais distribuídos por uma grande área).

P – A Secundária da Sé foi incluída na quarta fase do programa da Parque Escolar mas as obras nunca começaram. Com que expetativas parte para o próximo ano letivo?

R – Foi com alguma surpresa que há dias li num jornal da cidade [O INTERIOR] que as escolas do distrito da Guarda não tinham sido contempladas. É de lamentar, mas tenho que acreditar que a não inclusão se deve à situação económica do país e não à falta de vontade política. Vivemos aqui em dois mundos distintos, já que temos na cidade uma escola nova e modernizada, e outra em condições menos boas. Isto leva a que na atualidade muitos alunos escolham a outra escola em detrimento da nossa. O Estado tem o dever de garantir a todos os portugueses o mesmo grau de equidade no ensino, proporcionando aos alunos as melhores ferramentas de aprendizagem para que possam enfrentar melhor o futuro, por isso a requalificação da Escola da Sé é uma necessidade, mas também um direito que assiste aos alunos que frequentam e desejam frequentar essa escola. Perante isto, vamos acreditar que os novos responsáveis políticos autárquicos terão uma postura mais proativa encetando os esforços e diligências necessários para que o Ministério da Educação leve avante o projeto de requalificação.

P – Como vê o atual estado do ensino a nível regional?

R – É preciso que haja normas equilibradas, que credibilizem o sistema educativo e que não se apliquem cortes cegos. No meu projeto de intervenção refiro a importância da celebração de um contrato de autonomia com a tutela, o que nos permitirá flexibilizar os currículos à realidade local. Com currículos mais amplos e flexíveis, simples e mais atualizados, adaptados às idades e às diferenças sociais, culturais e às várias regiões, poderíamos desenvolver um trabalho mais orientado para os processos/competências e menos preocupado com os conteúdos/conhecimentos, que facilitam a integração de alunos que, pelas mais diversas razões, manifestam dificuldades de aprendizagem ou que tenham a intenção de ingressar na vida ativa assim que concluído o ensino obrigatório, assegurando uma aprendizagem básica para todos. Muitos desses alunos terminam abandonando a escola devido à rigidez da oferta educativa e ao desajuste entre as suas condições de vida e a cultura escolar dominante.

P – Quais são as principais carências do Agrupamento?

R – A falta de professores de educação especial está longe de ser o único problema sentido no seio do recém-criado mega agrupamento de escolas. A existência de um só psicólogo para um universo de 2.576 alunos é incompreensível. A carência de pessoal não docente é visível, devido à inadequação da Portaria 1049-A/2008, que determina o número máximo de auxiliares de ação educativa às necessidades das escolas. Os critérios para o cálculo do número de auxiliares de ação educativa nas escolas não respondem às necessidades destas, estabeleceram-se rácios de funcionários de 1 para 40 crianças na educação pré-escolar e de 1 para 48 alunos nos outros níveis de ensino, rácios que, apesar de insuficientes, não estão a ser respeitados.

Nos últimos dois anos, o agrupamento ficou com menos trabalhadores sem terem sido substituídos, o que criou mais dificuldades na gestão, organização e funcionamento das suas escolas. Aumentaram-se as turmas para 30 alunos numa sala, reduziu-se o número de professores na escola, aumentando as taxas de desemprego, aumentou-se o tamanho dos agrupamentos, diminuiu-se o número de auxiliares e assim se colocaram em risco os alunos e os projetos educativos das escolas deste país. Outra carência grave é a falta de um crédito de horas letivas para os docentes da disciplina de Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC), para apoio, entre outros, à manutenção das redes e do parque informático, o que provoca constrangimentos de gestão e não abona em favor de um Ministério que deve cuidar e manter operacionais os recursos de que dispõe.

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