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A desertificação

Editorial

1. O distrito da Guarda perdeu nos últimos dez anos quase 20 mil habitantes e foi o que mais população perdeu a nível nacional. E foi também o único distrito que não teve um único concelho a evitar a fuga de pessoas – e só Guarda e Trancoso perderam menos de 10 por cento da população.

O concelho da Guarda perdeu pouco mais de três por cento, um resultado negativo que contraria a tendência dos anteriores Censos e é de difícil explicação: dos milhares de pessoas de todo o distrito que partiram das suas aldeias e vilas poucas terão optado pela capital de distrito. E nem a satisfação de Joaquim Valente, que na última Assembleia Municipal se regozijou por ter havido um aumento de famílias no concelho, de 3,8 por cento, se compreende, pois o concelho teve das taxas mais baixas em termos de fixação de famílias em capitais de distrito (por exemplo Vila Real aumentou mais de 25 por cento…). Em síntese, a Guarda precisa urgentemente de um plano de desenvolvimento ambicioso e de alterar o seu paradigma que, como se percebe, tem resultados desastrosos.

O distrito de Castelo Branco perdeu quase 13 mil habitantes e apenas o concelho albicastrense conseguiu aumentar os seus residentes. Mas se Castelo Branco cresce, a Covilhã perde população – cerca de cinco por cento. Este decréscimo populacional surpreende, especialmente porque o motor da Covilhã é indiscutivelmente a UBI, que tem crescido a todos os níveis.

A Covilhã e a Guarda são, a nível nacional, dois dos casos mais surpreendentes pela incapacidade de atrair e fixar pessoas, e mais, considerando que os concelhos à volta perdem milhares.

O saldo dos Censos é extraordinariamente negativo para todo o interior do país. Todos os distritos perderam população. Mas há, ainda assim, alguns concelhos que “resistem” à fuga das populações e conseguem crescer. É o caso de Vila Real ou de Bragança. Ou o caso de Viseu, que foi, percentualmente, o terceiro município que mais cresceu (a seguir a Braga e Faro) vendo a sua população aumentar em mais seis mil habitantes. Estes dados evidenciam que, com boas políticas e planeamento a médio e longo prazo, é possível estancar a partida massiva de pessoas.

2. Os nossos concelhos não conseguiram criar dinâmicas de desenvolvimento, não atraíram capital, não promoveram os produtos endógenos, não serviram a gastronomia, a paisagem, o ambiente e o património nas ementas de quem investe. Sem empresas não há trabalho, e sem trabalho fica o desemprego. Os serviços só existem enquanto houver empresas. E sem empresas os serviços fecham – fecham as administrações públicas e depois encerram as escolas, os hospitais, os centros de saúde… e teremos lares!

Num momento em que muitas autarquias têm os dias contados, cabe perguntar para que serviu tanto dinheiro gasto nos nossos concelhos quando vemos que apenas alguns conseguiram criar infraestruturas de apoio ao desenvolvimento? Onde foram gastos os milhões recebidos – do Orçamento de Estado e da Europa? Como é possível que 85 por cento dos municípios portugueses tenham défices orçamentais? E, o que é pior, os concelhos do interior estão entre os mais endividados, não conseguiram gerar processos de desenvolvimento e perderam grande parte da população. Depois do grande esforço financeiro dos últimos 30 anos, o que ficou? Desertificação!

Luis Baptista-Martins

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