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A democracia local em agenda (1)

Razão e Região

Regressou à agenda a questão da reorganização político-administrativa do território e, consequentemente, a questão da democracia local. Infelizmente, a discussão está a deslizar excessivamente para a questão do número de freguesias, verificando-se, por parte dos autarcas, como é compreensível, algum receio de mexer no mapa político, como se viu no Programa da RTP «Prós e Contras», da passada Segunda-Feira. Ao que parece, a questão da fusão de Municípios foi diferida no tempo. E sobre a estrutura institucional do poder local pouco se tem falado, quando, em relação a esta matéria, os consensos essenciais não são assim tão difíceis de obter. Claro, há não muito tempo, o acordo, entretanto obtido, entre PS e PSD foi rasgado pela liderança de Luís Filipe Menezes. Se bem me lembro, a questão do direito de voto dos Presidentes de Junta no Orçamento e Plano terá sido decisiva para este recuo no acordo. Outra questão importante foi a questão dos executivos homogéneos, tendo a posição do PS sido mais clara e linear do que a do PSD, já que o PS defendia o princípio do governo da maioria: governa quem tem a maioria e fica na oposição quem é minoritário. A solução que garantia a presença da oposição no interior do executivo seria sempre um «pastelão» sem sentido. Outra questão de vital importância era a da livre escolha dos vereadores pelo Presidente da Câmara, conjugada com a obrigatoriedade, ou não, de estes serem deputados municipais, sabendo-se que, no actual sistema, o mandato dos vereadores é irrevogável, porque eleitos directamente (vigora o regime próprio das democracias representativas onde o mandato é sempre não imperativo). Por sua vez, a ideia de apresentação de uma única lista – a lista para a Assembleia Municipal – é claramente inspirada no modelo nacional, uma vez que será Presidente da Câmara o líder da lista mais votada para a Assembleia. Já quanto às competências reforçadas da Assembleia Municipal, as opções deverão ser muito bem medidas à luz do princípio de que a representação municipal é feita (ao contrário da representação nacional) em regime de voluntariado político. É certo que a ideia de recrutar exclusivamente os vereadores na Assembleia Municipal obriga a que a constituição das listas tenha em conta o perfil executivo de muitos dos deputados e a que lhe seja conferida maior densidade política. Mas isto certamente não bastará, já que a Assembleia Municipal passará a ser o único órgão eleito, ou seja, será o único portador de legitimidade directa. Outra questão que não poderá deixar de estar em agenda é a do número de deputados e de vereadores. Do ponto de vista dos vereadores, a sua redução nem será assim tão difícil, uma vez que, deixando a oposição de estar no executivo, automaticamente diminui o número de vereadores. Exemplo: se com a actual composição política do executivo da Câmara Municipal da Guarda entrasse em vigor esta regra, o número de membros do executivo desceria automaticamente de 7 para 5. Mas, do ponto de vista da Assembleia Municipal, a questão já seria politicamente mais complexa, uma vez que seria necessário tomar posição sobre o número de freguesias do concelho e sobre a relação orgânica e funcional dos presidentes de junta com a Assembleia. Como se sabe, o número global de deputados municipais (eleitos directamente + presidentes de junta) é hoje calculado com base no número de freguesias (n.º de deputados eleitos directamente = n.º de freguesias + 1).

A juntar a estas questões há essa outra questão não menor da organização político-administrativa supramunicipal, para a qual confluem três realidades de grande relevo: 1) a actual organização distrital, já amputada da variável governador civil; 2) a actual organização supramunicipal através das CIMs, Comunidades Intermunicipais; 3) e a organização através de um processo de regionalização. Também aqui urge tomar opções radicais que venham resolver lacunas e sobreposições que se estão a verificar e que nada abonam a favor do Estado.

Como se vê, a agenda é muito rica em temas e problemas. Mas creio que chegou a altura de a assumir em pleno, tomando decisões corajosas que não só dignificarão a imagem da nossa democracia, mas sobretudo também virão melhorar a sua qualidade e a qualidade de vida dos cidadãos. Regressarei ao tema de forma mais analítica no próximo artigo.

Por: João de Almeida Santos

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