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A culpa é do porteiro

Gabriela Canavilhas responsabilizou um diretor geral que dependia da sua nomeação e confiança por o que corre mal na cultura. A ministra confessa que não manda no seu Ministério. Ao que parece, vai continuar no lugar.

A demissão de um director-geral não chega a ser notícia. Mas este governo é de tal forma trapalhão que conseguiu transformar a demissão de Jorge Barreto Xavier, director-geral das Artes, num caso de primeira página. Porquê? Vale a pena ler o comunicado da ministra de Gabriela Canavilhas.

“O Ministério da Cultura manifesta a sua grande satisfação por esta decisão”, escreveu a ministra. Coisa extraordinária, já que os directores-gerais são escolhidos e afastados pelos ministros. Que alguém confesse que está insatisfeito com um subordinado seu (que, no caso de um director-geral, depende de confiança política e pode ser demitido a qualquer momento) e que o tenha mantido no lugar é já por si bizarro. Que ainda por cima festeje publicamente a demissão de quem não quis demitir já está no domínio do anedotário político.

Mas neste caso é tudo ainda mais absurdo. O dito director-geral tentou ir embora em Fevereiro. Não o sabemos por rumores. É o próprio comunicado que o revela. E foi a ministra que quis que ele continuasse no lugar. Apesar de, ao que parece, o senhor ser, aos olhos de Canavilhas, um completo desastre.

O comunicado continua, não notando quem o escreveu o ridículo a que se presta: esta demissão “vem permitir finalmente que a DGA se liberte de constrangimentos vários que têm vindo a dificultar a sua acção”. Ou seja, a ministra mantinha no lugar alguém que criava constrangimentos ao funcionamento de um serviço público. Mas não fazia nada. Ao que parece, Gabriela Canavilhas não manda no seu Ministério e tem de esperar que os que dependem exclusivamente da sua vontade para estarem num lugar se cansem para o Estado se “libertar de constrangimentos vários”.

Gabriela Cavilhas responsabiliza ainda o director-geral pelos sucessivos atrasos nos concursos. Esta acusação, seja ela falsa ou verdadeira, é uma exibição vergonhosa de irresponsabilidade e cobardia. Se é verdade, a ministra manteve no lugar quem, sendo nomeado, não cumpria as suas funções com prejuízo para o País. Preferiu esperar que ele partisse para o responsabilizar por o mau funcionamento do Ministério que só ela tem de dirigir. Se é mentira, pior um pouco. A ministra esconde-se atrás de subordinados seus para não assumir a sua própria incompetência.

Num governo normal, uma ministra que publicamente responsabiliza directores-gerais pela ineficiência do seu Ministério não ficava nem mais um dia no lugar. Um dirigente que não dirige não serve para nada. Dá-se mal com a sua equipa? Lava a roupa suja em casa e escolhe quem trabalhe a seu gosto. Ou regressa à sua vida, porque definitivamente não tem perfil para ocupar um lugar num governo.

Claro que é difícil demitir a ministra da Cultura. Que pessoa minimamente qualificada aceitaria participar num governo que trata esta área com um olímpico desprezo? Só mesmo quem saiba que a escolha do seu nome foi resultado da ausência de outras opções.

Gabriela Canavilhas não é nem melhor nem pior do que a desgraça que têm sido os sucessivos ministros da cultura na última década. É apenas ainda mais irrelevante do que qualquer outro. E, ao que parece, sofre de um problema de carácter que, apesar de tudo, não detectamos nos anteriores: quando as coisas apertam atira as culpas para os subordinados. E isto, para qualquer pessoa de bem, é muito feio.

Esperemos que a senhora não faça escola. É que se a moda pega ainda vamos descobrir que a culpa da crise é do porteiro do Ministério das Finanças.

Por: Daniel Oliveira

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