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A crise política

Theatrum Mundi

Por detrás da crise financeira e das dívidas soberanas na Europa existe uma crise política que é anterior e que promete prolongar os seus efeitos. É uma crise que afeta a vida dos estados, os alicerces da comunidade política, e que se desdobra no funcionamento da União Europeia e na erosão da sua legitimidade aos olhos dos europeus. De cimeira em cimeira, os dirigentes europeus insistem em tratar a crise como fenómeno passageiro, sujeito às leis pendulares da economia. Insistem em soluções paliativas como se a crise não fosse europeia, como se não se devesse ao desajuste europeu face à globalização liberal que promoveram nas últimas décadas. A Europa soçobra perante a globalização e o remédio parece resumir-se a competir nesse mercado aberto por maior precariedade do trabalho, menos direitos e menos restrições à circulação do capital. Ao mesmo tempo, o contrato social é posto em causa e a utilidade da Europa política cada vez mais abalada.

As negociações para aprovação do orçamento europeu para o período entre 2014 e 2020 são sinal inequívoco dessa neutralização da Europa política e colocam os diferentes atores em rota de colisão. Sem uma verdadeira estratégia para a Europa que não se resuma à austeridade e aos cortes na despesa pública, a Comissão de Durão Barroso perdeu qualquer peso político e a capacidade de dinamizar o processo europeu. Foi perdendo esse papel para Merkel e para Cameron fragilizando, desta forma, a componente comunitária da política europeia. A fragilidade da Comissão europeia é notória no momento em que o euroceticismo de Cameron é capaz de determinar os cortes no orçamento europeu e frustrar algumas das respostas europeias à crise financeira. Sendo este o primeiro orçamento a necessitar de aprovação do Parlamento europeu, e com inúmeras vozes de dentro dele a rejeitarem os cortes, pode prever-se que a câmara venha a assumir um papel preponderante na afirmação de uma visão verdadeiramente europeia para o fim da crise.

Outra dimensão da crise é a fragmentação política que se avizinha. O Reino Unido pretende rever a sua posição dentro da União e a consequência pode mesmo ser a saída se essa for a posição vencedora no referendo já prometido. Antes disso, a Escócia vai realizar o seu próprio referendo para definir a sua posição dentro do Reino Unido e a consequência pode ser a independência. Em Espanha, o soberanismo da Catalunha deu um passo decisivo agora que os nacionalistas de direita optaram pela estratégia do tudo ou nada. A braços com uma grave crise económica e um pedido de resgate ao estado espanhol, esta fuga para a frente é a derradeira tentativa de mobilizar a cidadania em torno de um projeto comum. Aliás, de Espanha todos os dias chegam sinais preocupantes da erosão do poder político. A monarquia passa por uma crise sem precedentes e o rei e o hino espanhol são assobiados em vários eventos desportivos onde participam clubes bascos e catalães. Finalmente, o escândalo do financiamento oculto está a minar por dentro o PP espanhol e será cada vez mais difícil a Mariano Rajoy continuar à frente do governo. Perante isto, vale a pena refletir sobre se a crise financeira e a crise política que se aprofundam não terão no fundo a mesma origem, a incapacidade de definir uma perspetiva europeia da política e convergir para ela.

Por: Marcos Farias Ferreira

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