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A crise do Natal

observatório de ornitorrincos

Já não é novidade e o nosso Primeiro-Ministro já não tem vergonha de o assumir. Estamos em crise. Não há dinheiro para nada a não ser para gasolina (agora ao preço da jeropiga), bancos falidos e TGV’s. A crise que vivemos é global e multicultural. Muitas famílias portuguesas adoptarão este ano o costume iraquiano de oferecer, em vez de uma prenda no sapatinho, o próprio calçado. Os mais integristas da tradição devem fazê-lo atirando o sapato violentamente à cabeça, mas é de boa educação, se a prenda for para um parente próximo, oferecer o par completo. Sei de pessoas que em apresentações públicas foram também agraciadas com ovos e legumes vários atirados desde a plateia. Na realidade, é uma espécie de cabaz de Natal em fascículos. Eu recolhi as ofertas do chão e agradeci educadamente.

O único português a quem a crise não parece afectar é Cristiano Ronaldo, que recebeu há dias uma Bola de Ouro e, ao contrário da Caixa Geral de Depósitos, conseguiu contrair um empréstimo no estrangeiro. Não foram divisas, foi a mulher ucraniana de um magnata inglês, mas o que importa aqui salientar é que o “CR7” mantém um grau de respeitabilidade internacional que mais nenhuma instituição portuguesa possui nestes momentos de crise. É que John Heynes não foi armado em campeão partir a tromba do craque. Mandou-lhe uma mensagem escrita a pedir ao português para não se meter mais com a mulher. Este é um procedimento típico do mundo financeiro. O meu banco manda-me regularmente (todos os meses) uma sms a avisar que o saldo atingiu valores negativos. E também não me insulta. Avisa-me respeitosamente que vou ter de pagar juros. Eu, tal como Cristiano Ronaldo, ignoro as mensagens e continuo a gastar do que não é meu.

Mas a crise não afecta só as pessoas reais. Veja-se o caso do Menino Jesus, completamente ignorado em desfavor do Pai Natal. Espoliado da fama e das prendas pelo velho barbudo da Escandinávia, o rapazinho da Galileia descobriu que para atingir o sucesso neste mundo hipermediatizado não basta ser filho de pessoas importantes. Estou convencido que os marxistas que vêem o retorno de Karl Marx nesta crise do sistema financeiro estão enganados. Basta passear pelos centros comerciais para ver que não é verdade. Embora parecidos, não é Marx que está de volta, é o Pai Natal.

A preferência por São Nicolau em detrimento do Messias revela também os preconceitos raciais e de classe do mundo ocidental. Na hora de escolher entre um carpinteiro palestiniano e um reformado nórdico, foi ao filho de Deus que pedimos para nos trazer as prendas? Não, foi ao bucha do Ártico. O problema é que quando chega a crise e ninguém tem dinheiro para prendas – e só pode pedir ao Estado quem for banqueiro, construtor civil ou funcionário público – o Pai Natal não tem competências específicas para fazer milagres de multiplicação. E milagres é uma coisa que o menino Jesus faz bem, como se pode comprovar nas várias biografias oficiais. Conta a lenda que só desistiu dos milagres quando soube que Portugal se iria governar sozinho. Foi-se embora e mandou uma carta ao Pai Natal.

Por: Nuno Amaral Jerónimo

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