Esta é uma comunidade construída sobre um espaço comum, o mais antigo parque de campismo português, situado na Costa da Caparica. Sítio visitado por veraneantes, este é também um lugar habitado durante todo o ano há muitos anos. A curta-metragem “A Comunidade” (2012), vencedora do Grande Prémio Documentário da 20ª edição do Curtas Vila do Conde, tem esta comunidade campista como tema.
É a narrativa de um dia. Abre de manhã, na praia, onde publicidade área anuncia o concerto-baile noturno que fecha o filme. Começa fora do parque porque a comunidade se estende além dos limites do terreno, alimentando-se de uma forte ligação à costa. Mas há um fora e há um dentro. Fazer campismo não é apenas desfrutar do ar livre, viver uma vida saudável, é “gostar de conviver” (diz-se sobre o título em fundo preto). O retrato prossegue com um conjunto de imagens de tendas, avançados, e caravanas fechadas, vazias de presença humana, mas que vão sucessivamente mostrando esses elementos entreabertos.
O primeiro de diversos testemunhos identificados surge depois. Todas as entrevistas são filmadas em interiores pela realizadora Salomé Lamas — os exteriores serão os locais coletivos nos quais a comunidade ganha corpo a partir destes comentários individuais. Com agudeza, a encenação corresponde à personalidade expressa e à relação manifesta dos entrevistados. Jerónimo Xista e a sua esposa aparecem lado a lado, tão próximos como as suas palavras que se complementam e se atropelam. Fernando Elias Nobre, barbudo de calções, descontraído, tem a perna direita aberta e fletida, e é um Pai Natal quando a época pede. Manuel e Maria Manuela Ginja, acomodados no avançado, não se olham nem se movem, e a câmara está mais afastada. Tânia e Joana falam desinibidas, enroladas em toalhas depois do duche, sentadas na cama com a perna esquerda dobrada por baixo da direita. Henrique e Maria Gonçalves surgem em dois planos distintos, ele encostado a uma divisória de braços trancados apoiados no joelho esquerdo, ela mais à frente de braços caídos, ele comprazido com a vida de campista, ela desagradada. André Sousa e Luísa do Carmo Gomes, filho e mãe negros, estão sentados frente a frente à mesa numa caravana, quase não vêm ao parque e não têm laços comunitários fortes, por isso decidiram vender o equipamento. Os traços de tribalismo branco adensam-se. João, Gustavo, e Rafael, miúdos sorridentes, ocupam um sofá e apontam uns para os outros dizendo-se os melhores amigos.
Aparece mais gente antes da noite, como José Camilo, que fala da suspeita de ligação entre a atividade associativa do campismo e a atividade política clandestina dos comunistas durante a ditadura fascista. O resto da comunidade é como uma família alargada que encontra alegria no que a constitui. Não admira que os momentos lúdicos, saboreados sem euforia, sobressaiam na convivência diária, da brincadeira ao desporto, do jogo à dança.
Sérgio Dias Branco