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A Classe Política

Razão e Região

Quando os partidos começam já a preparar a listas para os candidatos a deputados nas próximas eleições de 5 de Junho, vale a pena, sobretudo nos tempos que correm, refletir seriamente sobre os mecanismos de gestação da chamada «classe política» em ambiente democrático, sendo certo que os partidos, que detêm a exclusividade de propositura nas eleições legislativas, são a parte mais relevante de um processo onde, e em via não muito subalterna, os media também já desempenham uma função essencial.

E a verdade é que, no meu modesto entendimento, já não é possível disfarçar que Portugal começa a ter um problema que se chama «classe política». Um problema que certamente tem origem estrutural, por um lado, no facto de qualquer cidadão, quaisquer que sejam as suas competências certificadas, poder aceder, sem restrições (a não ser as que a lei prevê), aos mais altos cargos públicos de origem eletiva – e este é o aspeto positivo, já que corresponde a uma conquista civilizacional – e, por outro, no processo de seleção e de legitimação interna da própria «classe politica» – e este é o aspeto mais problemático, já que resulta da degradação de um sistema que exibe cada vez mais uma manifesta incapacidade de se adaptar às mudanças em curso. Processo este que, no essencial, está concentrado nos partidos, sendo certo que ele já se deslocou também para o interior do establishment mediático, com toda a capacidade que este tem de promover publicamente uns e de silenciar outros, com efeitos diretos e decisivos no próprio processo orgânico interno de escolha partidária dos dirigentes, sobretudo nos grandes partidos (os «Catch all Parties»). O que, entretanto, sabemos é que, em tempos mais recuados, mesmo quando o processo de «laicização integral» da política já estava consolidado, os dirigentes eram normalmente personagens com peso específico reconhecido na sociedade, pelas mais variadas razões, ou com provas dadas profissionalmente. As chamadas elites, num ambiente que, de algum modo, ainda incorporava a velha tradição liberal. Ora, o aprofundamento da «laicização integral» da política combinado com a passagem da fase orgânica para a fase comunicacional e com a personalização extrema da política os mecanismos de seleção e de filtragem orgânica deixaram de obedecer àquelas exigências sociais que se revelavam decisivas para uma gestão competente e eticamente sustentada do complexo e delicado mecanismo democrático. É que, ao contrário do que muitos pensam, a democracia precisa, para sobreviver – e justamente porque todos podem aceder livremente a este patamar – de uma criteriosa e difícil seleção do pessoal dirigente, não só do ponto de vista das competências necessárias para compreender as exigências da gestão política do interesse público, mas também do ponto de vista da solidez ética dos protagonistas. Mas a questão da qualidade tem muito, ou tudo, a ver com a gestação da própria classe política. Gestação que, a meu ver, reúne todos os ingredientes para que os resultados sejam os piores possíveis. O mecanismo, de resto, é conhecido: a seleção e a legitimação do poder interno está assente em pacotes de quotas e em universos eletivos muito limitados (por exemplo, a um universo equivalente a cerca de 160.000 eleitores pode muito bem corresponder, num universo partidário, um conjunto de cerca de 350 eleitores-militantes efetivos que decide, de facto, a liderança de uma concelhia que pode vir a exprimir um candidato a deputado em lugar elegível), mas que, depois, têm uma tradução interna tão valiosa que podem resultar em acesso automático a candidaturas ao Parlamento ou em lugares de relevo na Administração. Depois, a evolução do sistema para a dominante comunicacional veio concentrar o processo de gestação da classe política na interação media-política, concedendo ao establishment mediático uma forte influência na seleção e da promoção da classe política, ao mesmo tempo que ia deixando o processo orgânico difuso de seleção e promoção de dirigentes nas mãos de «apparatchiks» cada vez menos qualificados. Acresce, depois, que a fortíssima personalização da política, muito centrada na figura do líder, ainda enfraquece mais a componente orgânica do sistema, não só pela concentração de poder que tende a produzir-se, mas também pela correspondente desvalorização de todas as instâncias de poder intermédias que, uma vez desvalorizadas, acabam por ser objeto fácil de assalto por parte dos menos qualificados social e politicamente. Isto é, se, por um lado, o processo de gestação da classe política tende a deslocar-se progressivamente dos partidos para os media, com todas as consequências que isso implica, por outro, o processo orgânico de gestação é desvalorizado, transformando-se em presa fácil de todos aqueles que vêm na política um meio fácil e rápido de ascensão social. Se é verdade que a lenta passagem estrutural da fase orgânica da política para a fase comunicacional produz fortes efeitos disruptivos sobre um sistema que continua a assentar no modelo orgânico tradicional, também é verdade que, neste movimento, a velha retaguarda deixa de estar no centro das preocupações dos principais protagonistas, abrindo, assim, caminho à afirmação do que de pior têm os aparelhos partidários. Já aqui tenho proposto, a título meramente exemplificativo, uma solução de compromisso que poderá ajudar a resolver, não tudo, mas uma pequena parte dos problemas estruturais que estão a minar a credibilidade dos partidos. Trata-se da introdução generalizada de primárias abertas, como, de resto, já acontece em inúmeras democracias ocidentais. Quanto à questão dos media, as soluções são mais complexas, ainda que hoje já se disponha de um sistema que poderá ajudar muito, ou seja, da Rede.

Por: João de Almeida Santos

Comentários dos nossos leitores
Carlos Albano kurcudilo@gmail.com
Comentário:
A credibilidade dos Partidos e por exemplo a do Dr. Fernando ( recuso-me a escrever o seu apelido)! Este Dr. Fernando, candidato que obteve nas últimas Presidenciais, 14% dos votos dos eleitores portugueses, comprometendo-se com valores morais,éticos e de cidadania acabou de mostrar ao País e acima de tudo a quem nele acreditou, que é nada mais que um fingidor, não um poeta, mas alguém que namoriscou o BE,aceitou uns favores de uns PS’s e agora vendeu-se para o que der e vier ao PSD ! Quem o viu e quem o vê… Fernando (recuso-me a escrever o seu apelido), o cidadão exemplar, a rectidão personificada, eticamente e moralmente irrepreensível deixou cair a máscara! Alguns dos 14% dos portugueses que nele votaram sentem traídos. Eu sugeria ao Dr.Fernando ( continuo a recusar escrever o seu apelido) que num gesto de nobreza se assinasse de ora em diante Fernando Ignóbil
 

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