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A Cidade e o Campo

Nos Estados Unidos da América estão a perder-se mais de 600.000 postos de trabalho por mês, que era o nosso número de desempregados, já excessivo, há uns meses atrás. No verão passado, houve muitos milhões de trabalhadores chineses a passar férias nas suas aldeias de origem. Foram mais de vinte milhões os que não regressaram, preferindo regressar à vida que tinham levado antes, dependente da terra como único meio de subsistência. As incertezas dos seus postos de trabalho na indústria exportadora chinesa não se resolviam e, na terra, podiam ao menos garantir o sustento, mesmo que miseravelmente.

Durante décadas, parecia tudo muito simples: vivia-se no campo ou na cidade. Havia aqui as fábricas, ou as lojas, ou os empregos no Estado. Havia ainda os doutores e engenheiros. Comia-se o que vinha do campo e os camponeses vinham depois à cidade restituir em bens e serviços o produto dos alimentos que tinham vendido. A coisa parecia harmoniosa, embora algo miserável: havia camponeses que chegavam descalços à cidade, muitos mal sabiam ler e escrever, a maioria tinha os dentes podres; voltavam depois à terra, a cultivar mais batatas.

Dirão que foi a complexidade da vida contemporânea que quebrou o frágil equilíbrio do nosso passado. Outros dirão que a destruição deste mundo estava já implícita, tantas eram as suas fragilidades, e que era uma questão de tempo até que estas viessem ao de cima. Uma coisa parece certa: as vantagens dos produtos oriundos da indústria são muito menos evidentes do que os da agricultura.

O ponto é este: as fábricas fecham e os campos estão desertos. Não se está num sítio nem no outro. Nestes tempos, de charneira, houve vinte milhões de chineses que decidiram mudar de vida. Foram os primeiros, entre muitos que virão a seguir, a encontrar o caminho ou a enganar-se de vez.

As presentes dúvidas são legítimas, e importantes: vamos acreditar nos planos de Obama para salvação da economia americana (e, por arrastamento, da mundial), ou decidir entre as ideias de Sócrates e Ferreira Leite (se é que têm ideias aproveitáveis) para a nossa própria crise?

São cada vez mais os que dizem que é preciso redefinir tudo. Do sistema bancário às prioridades dos consumidores, passando pela nossa atitude perante a natureza, está tudo errado, dizem. Que deve haver muita coisa errada na forma como temos conduzido as nossas vidas, poucos serão os que discordem. Soluções, ninguém as tem, muito menos os que nos governam. A dúvida vai manter-se: a cidade, ou o campo?

Por: António Ferreira

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