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A casa onde os relógios não marcavam as horas

Bilhete Postal

Aqui era sempre um tempo incerto, um tempo que trocava de manhã para noite num abrir de porta, de tarde para manhã num virar de esquina. A casa das horas saltitantes. Mas não eram só relógios parados e outros por acertar. Eram roupas enxovalhadas, amarrotadas, gente desvirtuada dentro delas, televisões intermitentes, televisores mortos, impressoras sem tinta, computadores pejados de vírus, cadeiras rotas, batas não lavadas. Carros muito velhos a tentar cumprir seus destinos. Gente muito amarga a tentar sorrir. A casa onde havia muitos relógios e onde a roupa chegava sem passar a ferro é a Instituição onde trabalho. A casa onde trabalho é uma vergonha nos detalhes. Aqui encontramos “bidonville”, jardins decadentes, ruas com covas, uma cantina por demais imprópria. “Bidonville” é onde os arautos da anti mudança gostariam de permanecer. Gostam de não cumprir horas, de nunca levar ao fim suas tarefas, de evitar discussões e desse modo amam o que é sempre igual, o que é fácil, o maldizer, o achincalhar. A desambição é prima da desesperança e vem preencher tantos elementos que se torna motor. O motor de um outro modo de ser. Substituir os que se arrastam e os que só chegam para fumar uns cigarritos.

Este é o meu desabafo de não suportar relógio a fazer barulho, mas entender que devem dar horas certas, que é a única função para que servem.

Por: Diogo Cabrita

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