Arquivo

A casa de Raúl Lino

Há vários anos, sob o título de Arquitectura Moderna Portuguesa – Um Património Para Conhecer e Salvaguardar, 1920-1970, uma exposição que incluía obra de Raúl Lino esteve patente no átrio da Câmara Municipal. Foi num mês de Outubro, durante mais de 20 dias.

A exposição apenas sobre Raúl Lino vi-a no Museu Machado de Castro, em Coimbra, onde, ademais, tive o privilégio de ser acompanhado pela então Directora, essa finíssima Senhora que é Adília de Alarcão.

A exposição tinha já estado no Porto – por altura da realização do 3º Seminário Internacional do DoCoMoMo Ibérico –, e em Lisboa – onde, ao mesmo tempo, se realizou um conjunto de especializadas conferências sobre o tema – seguindo depois para outras importantes cidades e localidades de Portugal.

Se não fosse português Raúl Lino tinha projecção internacional; e não é novidade para ninguém que aos alunos universitários de Arquitectura continuam a solicitar-se trabalhos sobre este autor absolutamente cimeiro da nossa cultura. Acentuo a palavra “cultura”.

Dizer que Raúl Lino é o Gaudí português não é mais que ser rigorosamente fiel à verdade.

A referida exposição de Raúl Lino esteve também no Museu da Guarda; e dois qualificados arquitectos intervieram no início da dita exposição, falando com a qualidade devida a um Mestre maior. Um deles foi Michel Toussaint.

Em relação à parte cultural, a Câmara Municipal da Guarda não se coíbe de “fazer a festa e deitar os foguetes”, mas, se a casa de Raúl Lino é para ela um abcesso que não consegue superar, o que é que está mal na postura da autarquia?

A Cultura é algo infinitamente mais sério que o que a Câmara algum dia poderá enxergar e – sem mais delongas – basta olhar para o planeamento urbano. O Bairro da Senhora dos Remédios é uma repugnância; e outra as mais recentes construções ao fundo da R. Soeiro Viegas – estas, ainda por cima, frente a um edifício que se quer emblemático (a Biblioteca Eduardo Lourenço). Apenas dois exemplos, claro.

Um cronista da imprensa diária, Miguel de Sousa Tavares, escrevia há anos, num dos diários de maior tiragem, que a Guarda era a mais feia (ou das mais feias, já não recordo bem) cidades portuguesas, mas um óbvio tão flagrante em nada parece incomodar o Executivo. Entrou-lhe por um ouvido e saiu-lhe por outro? A questão é outra: ninguém pode dar ao outro mais que o que o outro está preparado para receber. Lembrar as casas de Sócrates.

Ora, o Executivo devia saber que a sua primeira função é a de educar. Fazer uma obra bem feita, a tempo e horas, entregue a gente capaz, cheia de finura e fineza, com humildade para ouvir o que lhe é dito por gente responsável e empenhada, na Imprensa e fora dela, é uma obrigação. Assim como é uma obrigação preservar o património. Justamente a exposição de que se fala no início deste texto inclui no sub-título “conhecer e salvaguardar”.

Raúl Lino foi um infatigável trabalhador, não estadiou num qualquer país, mas na Alemanha, afirmou a importância da tradição (muitos dos progressismos afirmados são uma idiotia), tal como entendia que as raízes culturais portuguesas deviam ser revalorizadas.

Que a Assembleia Municipal – ainda por cima o arquitecto Saraiva – tenha tomado a atitude que tomou, isso só releva do que é o grupo do P”S” – um grupo ruidoso que segue a voz do dono. 16 anos na Assembleia Municipal foram para mim, a esse respeito, ilustrativos ad nauseam.

Voltemos, porém, ao arquitecto Saraiva. Onde é que o senhor tem categoria para alcançar a espiritualidade de Lino? O senhor e os que o acompanham no desprezo pela nossa casa de Raúl Lino pagá-las-ão. Não, não estou a rogar-lhes praga nenhuma. Mas o “cá se fazem, cá se pagam” remete para a intangibilidade de uma justiça que não carece de ultrapassar o Imanente. Quem lhe disse que o crematístico é um horizonte? Como se atrevem, com tanta pesporrência, a tomar a liberdade de se igualaram ao Espiritual, a uma elevação maior que a vossa? Olhe à sua volta senhor Arquitecto que me trata por “ilustre”, e não lhe será difícil arranjar motivos de reflexão. A menos que nem aí chegue.

E que noção de Cultura tem o senhor Vereador da Cultura para declarar que “pelo facto de não haver nenhum projecto na Câmara e tratar-se apenas de ruínas, não se justifica a classificação como património municipal”?

Quem está atento é quem tem amor à sua terra, mesmo que cá não viva em permanência. É sempre uma questão de linhagem, que mais não seja espiritual – no fundo, a suprema. Obrigado, Pereira da Silva; e obrigado também pelos que lutam pela preservação da Arte.

– O senhor Presidente da Câmara sabe muito bem que lhe falo sempre com toda a franqueza. Ou seja: mostre que é capaz de estar para além de interesses absolutamente espúrios e desacompanhe-se – já – de gente tão medíocre.

E que fará esse erudito que é o Presidente da Assembleia Municipal? E a relação que quer ter com a Imprensa inibe-o de tomar posição?

Por mim já subscrevi a petição.

Guarda, 10-VI-08

Por: J. A. Alves Ambrósio

Sobre o autor

Leave a Reply