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A Carne é Fraca

Determina a nossa dentição que podemos comer de tudo, e assim temos feito. Em quantidades cada vez maiores e cada vez com menos critério e conhecimento de causa. Sabemos que temos de comer, e pronto. Sabemos também que a comida, sendo essencial para a nossa sobrevivência, é também a fonte de boa parte dos nossos problemas. A obesidade, os cancros, as doenças cardiovasculares, as carnes balofas pendendo flacidamente dos cintos, albergando doenças, tudo isto nos vem da comida. E há outra coisa: cada vez menos a carne é fonte de prazer por si só. Precisa de molhos e processamento para saber a alguma coisa que agrade. Parece toda igual: seca, dura, de borracha. São necessários conhecimentos cada vez mais sofisticados para fazer alguma coisa de jeito de tão fraca matéria prima. Ou então, há que triturá-la, fritá-la e que a servir com ketchup – o remédio universal para transformar comida má em comida má com ketchup.

Retiro do congelador uma “cuvete” de carne e examino a informação: “Lombinhos de Porco; sugestão: assar, fritar, grelhar”. A etiqueta exibe ainda um código de barras, o preço, o peso, alguns números. Não sei quando foi abatido o animal e com que idade, se é de produção extensiva, intensiva, biológica. Não sei se provém de macho, ou de fêmea. Se a carne foi maturada ou não, ou durante quanto tempo. Ou que antibióticos, ou outros medicamentos, lhe foram administrados. E mais: qual foi a sua alimentação? O omnipresente milho, misturado com restos triturados de animais impróprios para consumo humano, ou pastos, bolota, frutos, a alimentação que ele escolheria se tivesse a oportunidade?

Há muitas maneiras de preparar essa carne. Experimentemos assá-la. O forno a 200 graus, indispensável para caramelizar a superfície da peça e reter depois os sucos da carne. Depois, passados alguns minutos, baixando a temperatura, iremos acabar de cozinhar a carne. Ficará pronta com uns quinze minutos de repouso. Bastará depois preparar um molho. por exemplo diluindo os sucos libertados na assadura com vinho ou cerveja, e um acompanhamento. Mas, surpresa!, a coisa começa desde logo a correr mal. Da carne, colocada no forno a 200 graus, começa a libertar-se de imediato uma feia espuma. Em lugar de ficar tostada, assda e castanha, a carne fica cinzenta e cozida. É evidente que tem demasiada água e que está a libertá-la pelo calor. Não sei de onde vem este porco, mas sei que a sua carne vai ficar uma porcaria e nem o ketchup o poderá salvar.

Porquê? Eu respondo, mas aviso já que o que segue não é para mentes sensíveis. Pare de ler enquanto é tempo, ou então assuma as consequências! O porco, nos últimos dias da sua miserável vida, em que esteve confinado a um espaço demasiado exíguo para as suas necessidades, ao ponto de o levar a roer a cauda do porco da jaula à sua frente (ao ponto de se ter começado a optar por amputar a causa dos porcos logo à nascença – não toda, que um pedaço de cauda reserva o mínimo de sensibilidade para o fazer fugir do porco da retaguarda), esse porco, dizia, recebeu medicamentos que o fizeram reter líquidos, alguns dias antes do abate. Esses líquidos, supérfluos e desagradáveis que sejam na assadeira do leitor, e da minha, contam como carne do lombo na balança. É sabido de qualquer bom talhante que a carne tem de maturar, pendurada num lugar fresco e arejado, antes de ser consumida. Assim como se sabe que, quanto melhor tiver sido a vida do animal que homenagearemos, comendo-o, tanto melhor será a sua carne. Mas para chegarmos aí precisamos de informação que nos não é fornecida e, quanto à carne que vamos comendo dia-a-dia, mais vale continuarmos na ignorância.

Por: António Ferreira

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