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A caravana passa e já não volta

Estão aí as eleições para o Parlamento Europeu, mas a campanha ninguém deu por ela. Em Portugal, à exceção da CDU, nenhum partido quis ou conseguiu discutir a Europa. Bem ou mal, concorde-se ou não, fez o trabalho de casa e apresenta uma proposta diferenciadora que merece discussão mas ninguém está disposto a tê-la: a saída do euro de forma organizada.

Mutualização da dívida, papel do BCE, crise de representatividade, inoperância dos eurodeputados, constrangidos pelas autênticas multinacionais em que se transformaram os partidos, especialmente o Partido Socialista e o Partido Popular europeus. O federalismo europeu, a união política ou a incapacidade de uma Comissão engolida por um Conselho germanizado são tudo temas para tratar numa próxima oportunidade.

Para ajudar, cresce na Europa o euroceticismo e os partidos extremistas, que devem ganhar em França e Inglaterra. Em Portugal sabe-se também de antemão quem será o destacado vencedor: a abstenção, pois claro. Poder-se-á esperar outra coisa? Dificilmente.

Por cá os partidos seguem alegremente de cabeça enterrada na lama de 2011. Lama suficiente para trocas de acusações tão degradantes que dar dó não passa de eufemismo. Ressuscita-se Sócrates, festejam-se os zeros de um relógio que nem no início batia as horas certas, solta-se a garganta e simula-se um qualquer sentimento que molde as expressões faciais, previamente treinadas, de inconformismo e assertividade, e lá continua o quartel-general em Abrantes.

O PS fala outra vez em antecipar eleições, agora que a “troika” já cá não dorme. Não dorme porque tem um olho aberto e um resgate na mão pronto a disparar. PSD/CDS querem convencer o povo de que nada importante se decide nesta eleição. Assim, ganhem ou percam, são vencedores. Até lhes dá jeito perder, desde que por poucos, para Seguro continuar a liderar com os seus 80 inseguros compromissos que, estão para a responsabilidade como os 101 tweets de Paulo Rangel para a seriedade. É só uma questão de números.

As campanhas feitas com jotinhas porta-bandeiras e fardas a condizer não mobilizam ninguém. Foi outro tempo. O país mudou, evoluiu. Os partidos petrificaram. Surgem imagens com candidatos rodeados por uma dúzia de jovens com tanta capacidade para pensar quanto jeito para trabalhar. Já o povo, não aparece. Está em casa, no emprego ou no estrangeiro, mas guarda a dignidade. Constroem-se dois mundos – o nosso e o deles. Torna-se confrangedor perceber que o povo os olha com desprezo. Não tem paciência. Quando os partidos e a classe política não despertam paixão nem raiva mas indiferença, sobra-lhes a insignificância.

Mas ainda não o perceberam e no domingo haverá nova confirmação. Com abstenção acima de 55 por cento, o PS cantará vitória, o PSD/CDS dir-se-á vencedor graças a uma votação demonstradora de “confiança”, a CDU ganhará porque será a terceira força política, o Bloco estará feliz por eleger Marisa Matias e, no entretanto, a caravana passa.

E a abstenção é a caravana dos desencantados, porque os latidos são apenas ruído.

Por: David Santiago

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