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«A Câmara da Guarda tornou-se um gueto»

Jorge Noutel, candidato do Bloco de Esquerda à Câmara da Guarda

P – Continua a não abdicar de uma auditoria às contas da Câmara?

R – Se formos eleitos, vamos exigi-la na autarquia e em todas as empresas municipais. Os guardenses têm que perceber que a democracia começa por aqui: contas claras, saber o que se deve e a quem para podermos perspectivar o futuro. A fazer fé nos, parece haver despesismo exagerado e há que combatê-lo fortemente, nomeadamente o dinheiro “enterrado” nas empresas municipais.

P – Disse há pouco tempo que também iria acabar com as empresas municipais se fosse eleito. Considera que não estão a prestar um bom serviço ou que este poderia ser assumido pela autarquia?

R – Não pomos em causa os serviços, discordamos é da sua criação. Deve ser a Câmara a prestar esses serviços porque as empresas municipais são apenas sorvedouros de dinheiros públicos e reservas de empregos para amigos e familiares. Vamos lutar para que estejam integradas na Câmara de forma a que o Tribunal de Contas passe a pente fino as suas contas. Pouparíamos dinheiro seguramente, mas também defenderíamos a democracia em termos de transparência.

P – Acha então que se está a desvirtuar a democracia com as empresas municipais?

R – Sim, mas no sentido destas entidades gerarem clientelismo político. Existem “n” situações duvidosas, enquanto a transferência de verbas é de difícil entendimento.

P – Quais as empresas municipais que conhece?

R – A CulturGuarda, a Guarda Cidade Desporto e a Sodesigal, que já devia ter sido extinta há muito. Mas preocupa-nos também a falta de vontade da autarquia em resolver certos problemas da Guarda, como a defesa intransigente do comércio tradicional. A cidade merece há muito a criação de uma imagem de marca, cujos nossos emigrantes e conterrâneos se encarregariam de passar para o exterior para captar investimento. Infelizmente nunca houve esse cuidado de valorizar os nossos recursos. É assim no comércio tradicional, mas também no centro histórico, em agonia, e nos produtos tradicionais.

P – Acha que a Câmara tem tido esse papel reivindicador para resolver as carências do concelho?

R – O caso do hospital é o mais exemplificativo daquilo que a Câmara tem sido ao longo destes anos. Se o partido do Governo é o mesmo da autarquia aceita-se a remodelação, mas se for de outra cor já admitem a possibilidade de existir um novo hospital, contudo levanta-se o problema da sua localização. É a prova provada de que a Câmara não tem tido vontade política para resolver determinados assuntos, nomeadamente as infraestruturas, pois o investimento público tem sido quase nulo nos últimos anos. O que é preocupante, já que ninguém vem investir na Guarda se não houver boas acessibilidades, equipamentos e serviços. Por outro lado, as estradas municipais estão num estado deplorável. Por isso, olhando para a Guarda, constatamos que a aposta da Câmara tem sido a expansão do betão, com as rotundas, as habitações e os bairros que continuam a crescer de forma desordenada e sem espaços verdes… Não é difícil constatar que são os empreiteiros que mandam na cidade.

P – O que espera da Plataforma Logística?

R – Nós não acreditamos na PLIE, porque um projecto destes não pode existir sem a ligação ao ensino superior e às escolas profissionais, por causa da necessária mão-de-obra especializada e qualificada. Espero que não fique igual ao parque industrial, hoje um amontoado de edifícios vazios e de empresas fechadas. Outro “pecado” da Câmara é não ter ainda valorizado o espaço da feira. Não se pode tratar assim aqueles comerciantes, para ali esquecidos há 30 anos.

P – O Polis devia ter supostamente resolvido essa questão. Como avalia a sua actividade?

R – Devia ter actuado naquilo que já existe e não nos projectos megalómanos de que se ouviu falar. Esqueceram-se, por exemplo, do parque municipal e quiseram fazer outro no rio Diz. Quero ver o que vai ser daquilo quando vier uma grande chuvada! O centro histórico é outra oportunidade perdida. Mas temos também o trânsito caótico e quatro pseudo-projectos de parques de estacionamento que não me parece que vejam a luz do dia. Infelizmente, a autarquia tornou-se um gueto, não liga às populações, aos empresários e não tem consideração pelos munícipes.

P – Também pensa que quem está na Câmara age como se isto “fosse tudo deles”, como disse Francisco Louçã na sua apresentação?

R – Isso é no sentido de não prestarem contas a ninguém, na medida em que os concursos fazem-se sem a lisura e transparência necessárias. Preocupa-nos que alguns dos funcionários contratados não tenham entrado da forma mais clara.

P – Toda a gente fala em necessidade de mudança na Guarda. Mas as coisas não mudam. O que se passa na sua opinião?

R – As empresas municipais não são criadas de ânimo leve. Trinta anos de governação socialista criaram muitas raízes que são agora difíceis de quebrar e, hoje em dia, ainda é muito difícil conversar com certas pessoas porque julgam que o seu emprego está em perigo. É esta imensa “bola de neve” de interesses que vai moldando a sociedade guardense, literalmente manietada pelo “gelo” da democracia que faz com que as pessoas não tenham a liberdade de dizer aquilo que pensam. O problema é que este conjunto de pessoas vai aumentando sistematicamente e que a Câmara é a maior empregadora do concelho.

P – Considera então que quem está na Câmara parte para estas eleições com vantagem em relação aos restantes candidatos?

R – Mas isso é claro em vários aspectos. Para além de ter os interesses económicos do seu lado, há também o factor da manipulação da vontade das pessoas. Os eleitores têm que acreditar que há outras alternativas e alguma coisa a ganhar quando se muda. E esta mudança tem que acontecer, porque 30 anos fizeram da Guarda um dos piores concelhos do país em termos de desenvolvimento. Mas é muito difícil a quem está de fora tentar remar contra esta maré, embora acreditemos que há muita juventude farta destes métodos e esquemas e que não se revê na suposta “democracia” destes senhores que se reservam o papel do quero, posso e mando.

P – Quer concretizar?

R – Enquanto vereador, Joaquim Valente foi um dos artífices da privatização da água e do lixo, com as consequências que toda a gente sabe. Em relação ao lixo, não percebo por que se faz a recolha a partir das 19 horas. Igualmente preocupante é a situação no centro histórico, onde isso se faz numa carrinha de caixa aberta. Aquilo é um atentado à saúde pública! Veja-se também a forma como se vão abrindo alguns bares na cidade, um dos mais recentes, situado nas imediações da Sé, está paredes meias com a Escola de Santa Clara. Mas há ou não leis para cumprir nestas matérias?

P – Isso quer dizer que há cidadãos privilegiados e outros com a vida dificultada?

R – Espero que a Polícia Judiciária investigue até às últimas consequências as acusações gravíssimas de corrupção lançadas por Joaquim Canotilho no debate da TSF. Nós iremos exigi-lo se formos para a Assembleia Municipal.

P – A Guarda inspira-o ou também concorre por amor?

R – Não. Acho é que a Guarda está a expirar, porque está a expulsar os jovens e as pessoas que querem trabalhar e não têm onde. Falta-nos também a qualidade de vida que apregoam por aí, pois há muito a fazer na saúde, no ambiente e na vivência urbana.

P – Na sua opinião, como será a Guarda daqui a quatro anos?

R – Essa realidade parece-nos muito negra, apesar de ninguém saber concretamente qual é o valor real da dívida da autarquia. Se for superior ao anunciado – e é-o com toda a certeza -, vamos ter um futuro bastante sombrio.

P – O que destaca de negativo no último mandato da autarquia?

R – As inúmeras oportunidades falhadas para o concelho se desenvolver, como a possibilidade de termos um hospital de raiz e todo o tipo de investimentos a partir dos fundos comunitários que não tivemos na PLIE ou no Polis. Uns desculpam-se com os cortes nas verbas, outros dizem que não havia projectos, mas em que ficamos?

P – E de positivo?

R – É muito difícil encontrar algo, porque, ano após ano, continuamos nos últimos lugares do desenvolvimento nacional. Já agora, aproveito para recordar aos próximos eleitos que há uma promessa por cumprir há 30 anos: o monumento ao 25 de Abril. Mas houve tanta promessa que não se concretizou no último mandato…

P – O que acha da situação da Delphi?

R – É bom que a autarquia e o poder central desencantem soluções rápidas para esta situação, caso contrário poderemos enfrentar um problema muito gravoso em termos sociais e económicos.

P – Já deixou claro que preferia um hospital de raiz a um remodelado. Porquê?

R – Primeiro, por uma questão de funcionalidade, pois não compreendemos como se vai fazer a remodelação com o hospital a trabalhar. Depois, consideramos que a última remodelação em nada beneficiou a unidade. Nós merecemos um hospital novo, de raiz, seja onde for, mas com todas as valências necessárias e suficientes para prestar bons cuidados de saúde à população, sobretudo aos mais idosos.

P – Como vê a relação entre o IPG e a cidade? Acha que estão de costas voltadas?

R – A Câmara virou sistematicamente as costas ao ensino superior, veja-se o Centro de Estudos Ibéricos em que o IPG foi integrado à pressa ou a Plataforma Logística, onde não é tido nem achado. Contudo, achamos que não há ligação directa entre as necessidades de mão-de-obra do distrito e os cursos ali ministrados, pois muitos deles são falhanços rotundos. Entretanto a propina já atingiu um valor altamente gravoso para as famílias. Defendemos igualmente a criação de um Conselho Municipal de Educação, também vocacionado para as questões da formação, bem como um maior apoio às escolas do primeiro ciclo, muitas delas completamente degradadas e sem investimento há dezenas de anos.

P – O que acha do Teatro Municipal da Guarda?

R – É claramente a obra de fachada do regime. Arquitectonicamente, estamos contra, pois não faz sentido estar onde está. Segundo, temos muitas dúvidas em relação à sua programação, pois optou-se por fazer espectáculos atrás de espectáculos sem a necessária formação de base dos públicos. Isto é que é promover cultura? Acho que não! Não percebo também que o TMG não tenha acessibilidades para as pessoas com deficiência nos auditórios e na galeria de arte. O acesso ao próprio parque de estacionamento é outra aberração. Mas o mesmo acontece na central de camionagem e no mercado municipal, dois equipamentos completamente obsoletos.

P – Quais são as suas expectativas?

R – Seria muito bom eleger dois deputados na Assembleia Municipal. Para a Câmara, vamos lutar até ao fim pelo nosso projecto.

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