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«A Câmara da Guarda não vai ter dinheiro disponível até ao final do mandato»

O também presidente da Distrital do PSD lamenta que as obras emblemáticas dos últimos anos na Guarda tenha sido todas na área da cultura. «Isso não cria emprego, nem competitividade», afirma Júlio Sarmento, para quem é preciso reverter «essas apostas estratégicas». Na sua opinião, o próximo presidente da Câmara «tem que trazer empresas, serviços e emprego, não tem que fazer mais nada». E reitera que, «com os atuais dirigentes socialistas, a Guarda não vai a lado nenhum»

P – Enquanto presidente da Distrital do PSD, o que quis fazer quando criou uma baliza de quatro putativos candidatos à Câmara da Guarda?

R – Mais importante do que isso é perguntarmo-nos por que têm falhado as candidaturas do PSD à Câmara da Guarda. Naturalmente que há mérito do PS nas vitórias, pois criou uma estrutura clientelar que lhe permite ganhar eleições, mas as candidaturas do PSD têm falhado porque na Guarda tem sido endémica uma divisão interna no partido. A minha primeira preocupação foi criar condições para que houvesse unidade no PSD da Guarda e para garantir unidade é preciso que todos estejam contentes e sejam participantes no processo. Ora, se havia uma parte do PSD da Guarda que tinha estado na solução vencedora para a Distrital, tínhamos que ir buscar à parte derrotada o seu comprometimento político para esta solução. Não os podíamos marginalizar. Foi por isso que disse desde o início que apoiava a recandidatura de Manuel Rodrigues à concelhia, ele que até tinha sido candidato na lista de Rui Ventura, e queria que ele fosse o candidato porque era o presidente em exercício da concelhia e porque, simbolicamente, isso podia representar um estender de mão a uma fação que tinha estado contra a Distrital mas que é preciso que esteja também unida para as eleições. Consegui impor que houvesse apenas uma lista, mas, no entanto, não consegui que fosse, na verdade, de unidade porque para isso era preciso ter lá outros nomes. Nesse sentido, tem que haver uma consonância entre concelhia e Distrital para a estratégia da candidatura autárquica na Guarda. Vamos conversar seriamente com a concelhia – já falei em particular com Manuel Rodrigues sobre isso – para ver qual é a melhor solução, sem qualquer preconceito nem reserva mental.

P – Não poderá ainda aparecer um quinto nome?

R – Um quinto ou um sexto… Quando disse que não era apenas Júlio Sarmento e indiquei mais três nomes ao vice-presidente do partido encarregado do dossier autárquico é para dar a ideia de abrangência. Ana Manso é uma personalidade da Guarda, Manuel Rodrigues é presidente da concelhia, eu sou presidente da Distrital e o deputado João Prata, também é uma personalidade da Guarda e um ator da concelhia. É apenas um exemplo de que a solução que queremos não vai deixar ninguém de fora. Todos serão considerados para que a solução seja a melhor.

P – Entretanto já passaram alguns meses e parece que o PSD tem estado algo adormecido, pelo menos não é evidente um traço de oposição em termos concelhios. Há alguma novidade, alguma coisa a alterar?

R – Pode ser muito interessante do ponto de vista jornalístico saber qual é o candidato do PSD e se já está negociado, se há uma dissonância com a concelhia ou qual é o candidato do PS… O que é preciso é chamarmos à reflexão a sociedade civil da Guarda porque o mais importante na definição de uma candidatura de esperança é saber por que chegámos aqui, com uma Câmara super-endividada que, pela primeira vez, perde população nos Censos, massa crítica, competitividade e onde não há mensagem de esperança nenhuma. Há anos que perde sempre para a Covilhã, Castelo Branco ou Viseu. A segunda reflexão é como vamos sair daqui, qual o antídoto para ter mais gente, atividade económica, competitividade e atratividade. Depois, complementarmente, sabermos qual é a ideia que temos da Guarda e que cidade queremos. É uma cidade universitária? De serviços? De turismo? Temos que construir uma ideia e essa é que tem que levar às opções estratégicas, mas passados estes anos não há uma ideia de cidade. Não se percebe qual é a identidade da Guarda e o que tem de diferente em relação às outras. Se soubermos responder a essas questões será mais fácil a sociedade civil compreender qual é o candidato que melhor serve essa ideia e uma estratégia de rutura e de esperança para o futuro. Sinceramente, não é indiferente neste momento se é uma figura apagada ou pública, com ou sem peso, ou mesmo se é uma figura do PS ou do PSD. Não é indiferente porque a Câmara da Guarda, com o seu grau de endividamento de médio e longo prazo, conjugado com a lei dos compromissos, não vai ter dinheiro disponível até ao final deste mandato além do essencial para pagar vencimentos, luz e água. Nem vai poder executar programas comunitários porque não tem dinheiro para a componente nacional. Será assim se não conseguir no Programa de Apoio à Economia Local (PAEL) verbas suficientes para pagar a dívida de curto prazo. Neste contexto, quem disser que vai fazer alguma coisa, que tem uma proposta ou um projeto, até pode ter o projeto, não tem é dinheiro para o executar

P – Então o que é possível fazer?

R – É possível construir soluções nos próximos quatro anos que garantam a solvabilidade financeira da Câmara da Guarda. Tem que se conseguir isso junto do Governo e criar condições, com imaginação, de diminuir o endividamento. Por outro lado, é preciso criar uma estratégia de desenvolvimento da Guarda assente numa diplomacia económica e política junto do Governo – não se trata deste pôr dinheiro na Guarda, porque também o não tem – para que faça para a Guarda desconcentração dos serviços do Estado. Será também necessário atuar junto de grandes empresas e grupos económicos para os sediar na Guarda e promover ainda diplomacia económica na relação com Espanha. O próximo presidente da Câmara tem que trazer empresas, serviços e emprego, não tem que fazer mais nada. A cidade não precisa de nenhuma rotunda ou variante – também não tem dinheiro para as fazer –, o que a Guarda precisa é de emprego. A sociedade civil tem que se mobilizar em torno dessa reflexão. Isto também me diz respeito porque sou empresário na Guarda, onde tenho interesses imobiliários há mais de dez anos que criaram emprego, portanto estar preocupado com a cidade não é uma coisa de momento. A Guarda tem de ser o motor de desenvolvimento do distrito.

P – Mas o que pode o PSD fazer diferente do PS?

R – Tem de fazer tudo porque até agora as apostas estratégicas da Câmara da Guarda foram sobretudo na área da cultura, com o TMG, que foi e está a ser um projeto muito caro, embora seja muito meritório, e a Biblioteca Municipal Eduardo Lourenço. As obras emblemáticas dos últimos anos foram todas na área da cultura e isso não cria emprego, nem competitividade. Portanto, temos que reverter essas apostas estratégicas da Guarda, que têm que se virar para a promoção do desenvolvimento económico, da sua competitividade e do emprego. É uma lógica absolutamente contrária àquela que tem sido seguida pelo PS.

P – Mas não acha que isso surge na pior altura para o país, uma vez que empresas e emprego faltam em todo o lado. Como é que a Guarda vai conseguir atrair os investidores?

R – A Guarda tem que reivindicar o estatuto que Coimbra lhe retirou, de ser o parceiro estratégico com Salamanca e a Espanha. O Centro de Estudos Ibéricos é importante, mas sabemos bem que a grande parceria é entre as Universidades de Coimbra e Salamanca, não podemos ser ingénuos. O problema é que a Guarda faz parcerias com Ciudad Rodrigo quando se devia afirmar com Salamanca. Portanto, a cidade tem que conseguir da CCDRC o estatuto de principal ator com Salamanca. Depois, tem que haver força política, junto do Estado, para descentralizar para a Guarda serviços públicos. Evidentemente que não há uma varinha mágica, mas tem de haver uma reorientação de prioridades do município, pois não podem ser só a cultura. É urgente atuar na área económica, da promoção do emprego e de parcerias que podem ser geradoras de novas dinâmicas territoriais recentradas na Guarda. Por exemplo, porque é que a Comurbeiras não tem sede na Guarda? Alguém tem dúvidas que com uma Câmara PSD ela estava na Guarda?

P – É uma coisa pela qual pode vir a lutar? Não pode ser já tarde para isso?

R – Pode e deve porque o novo QREN vai ser formatado em torno das comunidades intermunicipais. Eu sou o grande responsável por Carlos Pinto dominar atualmente a Comurbeiras, mas ele vai deixar de ser autarca na Covilhã. Além disso, vai ser revista a legislação das NUT’s, que serão adequadas às comunidades intermunicipais e serão estas entidades que vão ter um papel decisivo no novo QREN. Nesse contexto, era essencial termos na Guarda a sede da Comurbeiras, até para recentrar a importância da cidade no contexto regional.

P – Com Júlio Sarmento a candidato à Câmara da Guarda haverá uma luta clara para que a Guarda recupere a capitalidade que perdeu nos últimos anos?

R – Absolutamente. Não digo comigo, mas com o PSD na Câmara da Guarda. Vai haver uma recuperação da importância estratégica e política da Guarda. Não tenha dúvidas que, com o PSD na Câmara, a sede da Comurbeiras vai ficar na Guarda porque é uma peça essencial para o futuro do ponto de vista da gestão de recursos. Mas isso é apenas uma peça de muitas outras para recentrar a importância da cidade, para lhe dar competitividade, para atrair investimentos privados e públicos e deslocalizar serviços do Estado.

P – Quando acha que deve haver a decisão sobre o candidato à Câmara da Guarda em 2013?

R – O PSD já anunciou os seus timings. No caso de recandidaturas de autarcas é até dezembro e até março para novas candidaturas. Teremos de ter tudo decidido até final do ano e, a partir daí, todos em força com as pessoas que forem reconhecidamente os melhores candidatos e tenham a convergência necessária das concelhias, da Distrital e da Comissão Política Nacional. Estou convencido que, na Guarda, vai ser uma candidatura forte.

P – O passado tem demonstrado que o PSD nesta altura das autárquicas é um partido de “facadinhas nas costas”. Receia que isso volte a acontecer em 2013?

R – É justamente por isso que tenho procurado uma consonância com a concelhia porque toda a história do PSD foi feita disso, de uma divisão de fações e de sucessivas guerrilhas internas quando era preciso unir esforços. Na Distrital, compete-me que haja consonância para que, seja quem for o candidato, não haja essas “facadinhas nas costas”, pois, sem unidade, a candidatura nem sequer é credível. Só que há dois fatores que não dominamos e que vão ser decisivos. Primeiro, ver como estará o país e o PSD nas próximas autárquicas, depois, a questão financeira da Câmara da Guarda. Se não conseguir alocar no Programa de Apoio à Economia Local (PAEL) toda a dívida de curto prazo, o município vai chegar às eleições completamente em rutura. Mas, independentemente do partido, o que é importante é ter uma solução diferente, credível e que conseguisse tirar a Guarda do sítio onde está, que é muito difícil. Se tivermos apenas o discurso que a crise é responsável por tudo e que as pessoas não querem vir para a Guarda porque é interior e que o interior se está a esvaziar, portanto, não há opção para a Guarda, nem vale a pena ser candidato. E esse tem sido o discurso do PS.

P – Acha que algum dos atuais dirigentes do PS tem condições para pugnar pela capitalidade da Guarda ou demitiram-se desse desígnio?

R – Não. Demitiram-se claramente desse desígnio, pois não creio que o achem importante. Além disso, não têm pensamento estratégico e já demonstraram uma total incapacidade…

P – Ou seja, com os socialistas, a Guarda não vai a lado nenhum?

R – Com estes não vai de certeza. Se José Sócrates ou outra figura nacional do PS fosse candidato, até podíamos pensar que havia alguém com objetivos, mas dos dirigentes que o PS tem – que também são essenciais à Guarda – apenas sabemos que a sua estratégia não valoriza a componente económica. Isso, se calhar, radica na tradição judaico-cristã de que o capital é pecado e que temos que ser pobrezinhos e bem comportados porque aí está a salvação. Porventura, será esse preconceito que está a fazer com que se privilegie a cultura – e bem, porque têm sido feitas coisas boas. Contudo, na história, há concelhos que se têm desenvolvido e outros que ficaram para trás. Isto não é só culpa do Governo, é também das autarquias que não têm aproveitado os meios financeiros, o diálogo com o Governo, para ter as prioridades certas que dinamizem a atividade local.

«A anterior administração da ULS não candidatou a obra do Hospital que adjudicou na totalidade»

P – As obras do Hospital Sousa Martins estão paradas, falta o equipamento e o financiamento. Ainda não se ouviu o presidente da Distrital do PSD criticar o Governo pelo facto de deixar que uma obra desta importância esteja parada?

R – Tenho tido várias reuniões com Ana Manso, a ARS e com o próprio ministro da Saúde. É certo que Paulo Macedo tem alguma importância na definição estratégica do Hospital, mas não podemos esquecer que a ULS tem autonomia financeira e jurídica para determinar a sua própria vida. Não estou com isto a dizer que Ana Manso não tomou as decisões certas, mas sim que a anterior administração da ULS não candidatou a totalidade da obra. Se fez um concurso para toda empreitada porque não contratualizou no QREN a totalidade do investimento? Porque só foi contratualizado metade? Pior do que isso, há componentes essenciais para o novo pavilhão que não estavam na candidatura, portanto essa responsabilidade também tem que ser assacada aos antecessores de Ana Manso. Agora, esta ULS tem condições de ir ao QREN candidatar aquilo que deixaram de fora. Já disse a Ana Manso que se conseguir concretizar a totalidade do projeto, de forma faseada, se conseguir que não haja atrasos pela conflitualidade jurídica com o empreiteiro e assegurar o financiamento de toda a obra, ela merece o meu aplauso. Mas se as opções que estão a ser tomadas resultarem em indemnização do Estado ao construtor, em atrasos na obra, em dificuldades de financiamento e na não execução do projeto, então aí temos que assacar responsabilidades à ULS. No entanto, estou convencido que Ana Manso tem condições para fazer isto e se o conseguir estará de parabéns.

P – E o PSD terá uma candidata à Câmara da Guarda.

R – É uma putativa candidata.

P – Está, portanto, otimista em relação à obra do Hospital?

R – Sim. Manifestei as minhas reservas às alterações apresentadas, mas estou otimista quanto à capacidade de Ana Manso conseguir resolver este objetivo. De resto, tenho a garantia do ministro da Saúde que o novo pavilhão vai abrir dentro de pouco tempo e do seu empenhamento para que, no próximo QREN, haja condições de alocar faseadamente o investimento daquela que foi a segunda fase.

«A reforma dos tribunais é excessiva no distrito da Guarda»

P – Qual é a sua posição sobre a agregação ou extinção de freguesias?

R – Em Trancoso, penso que conseguiremos reduzir apenas as freguesias com menos de 150 habitantes, portanto, o assunto é pacífico. O PS tem um posicionamento muito demagógico nesta matéria, mas também sabemos que foi o seu Governo que pôs no memorando da “troika” a redução significativa do número de freguesias e municípios. Antes da última reforma administrativa havia 600 concelhos no país, hoje há 305. Há dinâmicas diferentes, deslocalizações demográficas, há uma evolução normal e tem que haver também um ajustamento de municípios e não só das freguesias. Se não fosse a posição demagógica do PS era possível e desejável ir bem mais além do que esta reforma das freguesias. O PSD fugiu – e mal – a mexer nos municípios porque alguns deles já não têm futuro enquanto tal. Se não arranjarmos uma escala diferente, alguns vão desaparecer, sou por isso um defensor de uma profunda reforma territorial. Sempre disse que Trancoso tem que ter uma vocação agregadora porque alguns municípios vão desaparecer ou perder funções importantes.

P – Mas não acha que esta forma do Governo gerir a administração do território, nomeadamente o interior, optando pelo encerramento de tudo, não é “matar” estas regiões?

R – Uma coisa é uma reforma autárquica que se compreende, outra são as reformas que preveem encerramentos. No caso dos tribunais, a reforma é excessiva no distrito da Guarda, pois devíamos voltar à configuração que tínhamos há alguns anos, que era Fornos pertencer à comarca de Celorico da Beira e a Mêda e Foz Côa estarem numa única comarca, devia-se ficar por aí. No que diz respeito às Finanças e outros serviços, o Governo está a conduzir mal a questão porque devia negociar com os municípios Lojas do Cidadão ou outro tipo de entidades onde pudesse alocar vários serviços e desconcentrar para os municípios um conjunto de balcões de atendimento coletivo aos munícipes. Só quando fossem garantidas essas estruturas de proximidade é que se deviam encerrar esses serviços, o contrário é contraproducente.

P – Nos próximos tempos vamos ter um líder da Distrital do PSD mais proactivo, mais critico ao Governo e mais reivindicativo para o seu distrito?

R – Provavelmente. Os autarcas são eleitos pelo conjunto dos cidadãos para defenderem o seu concelho e os deputados para defenderem a sua região, mas o presidente de uma Distrital, do PSD ou do PS, é eleito pelos militantes e não tem legitimidade direta e democrática para falar em nome da Guarda ou fazer a defesa do distrito. Os deputados e os autarcas é que têm. Agora, o presidente da Distrital do PSD tem perdido muito tempo com os ministros da Saúde, da Administração Interna, da Justiça e reúne com o primeiro-ministro de dois em dois meses. O Governo está há um ano em funções a cumprir um programa de austeridade e se o líder da Distrital não está solidário com o partido no apoio ao seu Governo, então qual é o seu papel? Mas há momentos em que tenho que intervir. Por exemplo, quando disse que a Maternidade é uma questão política significa que eu respondo politicamente por ela. É um desafio político meu, já a ULS não é porque tem autonomia jurídica e órgãos próprios.

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