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A caça por arrastão

Observatório de Ornitorrincos

Esta semana o “arrastão” voltou às costas portuguesas. Na praia de Carcavelos, um gang juvenil utilizou uma técnica conhecida por esse nome para roubar os veraneantes. O assalto foi de tal forma que levou à intervenção da polícia de choque. O que me leva a questionar a razão das forças de segurança nunca terem intervindo por ocasião de outros assaltos bem mais graves junto às praias, como é o caso dos preços pedidos nas esplanadas.

O lado positivo da história foi saber que afinal ainda há arrastões junto ao mar. Com a diferença de estes estarem na areia e não no mar. E que se dedicam mais à caça do que à pesca. A semelhança é que tanto aqueles que roubam por arrastão como os que pescam em arrastões são extremamente dedicados à “faina”.

O roubo por arrastão é apenas uma variante delinquente de um passatempo masculino clássico, típico das praias portuguesas: o engate por arrastão. Esta actividade consiste em juntar várias dezenas de gajos com pinta diversa (e calções de banho mais pequenos e apertados do que a razão permite) para depois passear pela praia em bando, ao mesmo tempo que atiram olhares, micam decotes e biquinis e limpam os tímpanos com a unha do mindinho. Não é crime, mas também não é muito civilizado.

A verdade é que há um silêncio à volta de uma questão fundamental, que é escamoteada por toda a opinião publicada. A praia é um lugar propício para a delinquência juvenil porque o iodo da água do mar torna a malandragem mais espertalhoca. Além disso, um adolescente que viva do roubo tem mais dias de férias que o resto das pessoas da sua idade e isso permite-lhe passar mais tempo na praia. Primeiro, porque não tem exames nacionais; segundo, porque a noite é mais propícia para a actividade do sumiço; e terceiro, porque um ladrão precisa de apanhar sol para o caso de ir parar à cadeia. Caso isto aconteça, o meliante já apanhou vitamina D suficiente e livra-se assim de doenças como o escorbuto, típicas de marinheiros renascentistas. E aqui reside o problema que ninguém quer abordar. Por que razão um ladrão não quer ter doenças de marinheiros do tempo das Descobertas? Porque existe nesta figura uma reminiscência homossexual – marinheiro, Renascimento – e os ladrões não gostam de ver a sua virilidade incomodada durante as estadias prisionais.

Saber isto é importante para entender uma outra dimensão do problema. Muitos dos que relataram os acontecimentos de Carcavelos falavam em “gangs de rapazes negros”. Na realidade, como vimos, aquilo é gente que passa tempo demais na praia e fica excessivamente bronzeado.

Um governo que não percebe isto, é um governo que não nos pode dizer que se preocupa com questões sociais.

MORREU UM ORNITORRINCO

Álvaro Cunhal

Liderou espiritualmente uma importante tribo de conhecidos ornitorrincos, mesmo depois de ter abandonado formalmente o lugar do chefe. Tentou trazer para este charco uma organização da vida ecológica semelhante à da Ornitorrússia. Felizmente para a democracia, a História não lhe deu razão em nenhum dos seus combates. Que descanse agora em paz, como não descansaram os perseguidos pelo comunismo que defendeu até ao fim.

Por: Nuno Amaral Jerónimo

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