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«A atitude economicista do Ministério coloca em causa a qualidade do ensino»

Cara a Cara – Sofia Monteiro

P – Já são conhecidos os resultados do concurso de colocação de professores. Quantos docentes ficaram por colocar no distrito? E quantos ficaram com horários zero?

R – Começando pelo caso dos horários zero, houve uma diminuição e não são muitos os professores nessa situação que ficaram por colocar. As escolas tiveram, a 26 de julho, e depois a 16 de agosto, a possibilidade de integrarem os professores que estavam nessa lista e foi isso que aconteceu. Por isso, resta atualmente um número residual, que a nível nacional é de cerca de dois mil, e que no distrito rondará os 30 ou 40, sobretudo no ensino pré-escolar e primeiro ciclo. Estes docentes estão agora em bolsa de recrutamento, ao abrigo da qual podem fazer substituições de colegas em todo o distrito, durante todo o ano letivo, podendo também ter uma colocação até ao final do ano. Acredito, portanto, que os horários zero tendam a desaparecer ao longo do ano letivo. No que respeita aos professores contratados, muito poucos foram reconduzidos. Estimo em cerca de 10 por cento os professores que viram o seu contrato renovado. Aliás, foi visível na manhã desta segunda-feira, quando estivemos no Centro de Emprego da Guarda que é significativo o número de docentes sem colocação. Estamos a falar de largas dezenas e muitos deles com mais de 10 anos de serviço. Contudo, torna-se difícil saber números exatos, uma vez que os professores concorrem a nível nacional.

P – São números mais ou menos elevados em relação à realidade nacional?

R – São elevados, sobretudo, no primeiro ciclo e no pré-escolar, devido ao encerramento de escolas, o que faz com que a Guarda seja dos distritos que mais docentes tem com horário zero nesses departamentos. Já em termos gerais, a nível nacional concorreram 48 mil docentes e ficaram por colocar 18 mil. Julgo que em termos percentuais a Guarda estará sensivelmente na mesma situação.

P – Como reage e o que fará o Sindicato de Professores perante esta situação?

R – Esta situação só pode merecer uma reação negativa. Consideramos que se trata de uma atitude economicista por parte do Ministério e que coloca em causa a qualidade do ensino. Ouvimos constantemente que é preciso reduzir números, sobretudo na educação, e essa redução passa precisamente pela não renovação de contratos, aproveitando os professores que estão no quadro. Porém, isto faz-se à revelia do que é a qualidade do ensino, comprometendo o direito das crianças e jovens a uma educação completa, íntegra e de qualidade. Para além do fim de muitos projetos que visavam o combate ao abandono e ao insucesso e da falta de apoios educativos, há o aumento de alunos por turma, que é o problema mais visível. Com turmas maiores, há mais estudantes por cada professor e com isso são necessários menos docentes, levando a um aumento de professores desempregados ou sem horário. Além disso, piora as condições de trabalho dos docentes e compromete a qualidade do processo educativo, pois há um ensino menos personalizado e que dedica menos atenção a cada aluno. Achamos que não é este o caminho a seguir, pois ao cortar na educação compromete-se o futuro do país. Temos agendada uma ação simbólica no dia 14, que marca o início oficial das aulas, e pretendemos agendar outras ações para que os docentes possam tornar mais vivo o seu protesto, mas envolvendo também a restante comunidade educativa, como os alunos ou os encarregados de educação, pois devemos estar todos envolvidos na defesa da escola pública.

P – Os professores continuam a sindicalizar-se?

R – Sim. Os docentes sentem-se, de algum modo, abandonados pela tutela e percebem que o facto de estarmos todos unidos poderá ser a nossa força, daí surgir a necessidade de estar sindicalizado. Além disso, o sindicato tem até uma política que permite aos professores desempregados não pagarem quotas enquanto estiverem nessa situação, para que não vejam aí um impedimento a que se sindicalizem.

P – Como analisa a política educativa do atual Governo?

R – Um desastre completo. Podíamos entender as medidas tomadas como tendo alguma lógica do ponto de vista pedagógico, mas não têm. Há professores com formação ao nível do mestrado e até superior, e muitas vezes em mais que uma disciplina, que não vão ser aproveitados, e é preciso salientar que a escola de hoje não é a escola do meu tempo, ou do tempo do senhor ministro, em que apenas parte dos jovens tinha acesso à educação. A escola de hoje tem um papel diferente, a imagem e o papel do professor alterou-se por completo e passou a haver uma oferta educativa muito mais abrangente. Exige-se, portanto, que a escola seja capaz de dar uma resposta de qualidade. Porém, o que se está a fazer é um erro profundo em termos de organização, com mega agrupamentos que são, no fundo, uma estrutura “pesada” e sem relação de proximidade entre a comunidade educativa e o órgão de direção, algo impossível quando há mais de três mil alunos. Além disso, aumentaram-se as cargas letivas mas não se alteraram os programas e não há equilíbrio nem igualdade na oferta educativa. É, em suma, uma pilha de contra-sensos, que mostra não ser este o melhor caminho para a educação em Portugal.

P – O que pensa do encerramento das escolas por número insuficiente de alunos?

R – Há situações em que o encerramento da escola e a mudança dos alunos para um estabelecimento de ensino maior não traz melhorias. Além disso, julgo que ter menos de 21 alunos não justifica o encerramento de uma escola, até porque ao fechar uma escola, morre uma aldeia e a aprendizagem pode ser mais favorável quando as crianças estão integradas em meios mais pequenos. Julgo que um dos objetivos seja esbater os números do insucesso, pois se integrarmos duas dezenas de alunos num universo de 100, as dificuldades individuais até se podem agravar, mas numa perspetiva geral diminuem. Pensa assim o Ministério da Educação, que só vê números. Mas entendo que deve ser feita uma análise caso a caso, ter em conta o impacto local e saber se a resposta educativa que as crianças vão ter é melhor que a anterior, o que nem sempre se verifica.

P – Há condições para um início de ano letivo sem problemas nas escolas? O que falta?

R – Não acredito nisso. Acredito que as direções das escolas e os próprios professores vão fazer um esforço enorme para que isso aconteça, mas sem as condições ideais que o ministério devia ter criado. Não há tranquilidade para que se possa iniciar o ano de forma orientada, pois há muita coisa a acontecer, foi produzida muita legislação e alguma até contraditória, e não sei se, com o decorrer do ano, a escola não irá rebentar pelas costuras, porque as dificuldades são muitas. Poderá não haver capacidade humana, financeira e de equipamento para dar resposta a tudo.

Sofia Monteiro

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