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A Abóbora Falante

“E aqui estou eu, de trombas, ao lado desta incrível abóbora falante. O texto que lê é suposto ter sido escrito também por mim, mas não é verdade. Como quem me conhece rapidamente irá descobrir, não mexi em nada, nem numa vírgula. É por isso que o texto está tão mal escrito e que ele tenta embelezá-lo com essa grotesca entoação grandiloquente. E não se cala. Tem o ar de quem sozinho salvou o mundo inteiro, não só Portugal, de tragédias inomináveis; é como se milhões lhe devessem a vida e o património. Continua a declamar o seu discurso de vitória, impante, e eu aqui a fazer de prisioneiro de guerra, com um ar compungido, humilhado, aterrado por uma pesada derrota. Amanhã vou ouvir de tudo, vão falar do meu carácter, ou da sua falta, do mal que fiz, ou tentei fazer ao país, ou então que, como um rato, tentei ser dos primeiros a abandonar um barco a naufragar. Ele continua a falar, gozando cada segundo do seu, julga ele, triunfo. Tal como goza cada segundo do seu cargo. Sabe bem, como o país inteiro sabe, que não voltará a ter um emprego tão bom, que é o máximo exemplo vivo, em todo o planeta, do Princípio de Peter. Hoje, como em nenhum outro momento do seu mandato, sente que valeu a pena e que ganhou, que o desprezo com que é universalmente tratado se mostrou gritantemente injusto e que me derrotou fragorosamente a mim, seu suposto mestre. A prova é este meu ar compungido e derrotado… Eu, que passei à vice-presidência e passei a mandar, de facto, no governo, que me preparo para apresentar a reforma do Estado, que passei a supervisionar a economia e as finanças e a representar o país perante a Troika. É isso, Pedro, mais uma vitória como esta e estás feito.”

Boas férias a todos! Volto em Setembro, como sempre.

Por: António Ferreira

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