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2018: A esperança pela resistência

Não poderia reportar-me ao ano que agora começa sem lembrar que, no transato, passou quase despercebido o facto de a humanidade ter sido defraudada – sobretudo para aquela parte que faz da Utopia um legado, acima de tudo, de sobrevivência intelectual e humanista – com a perda do filósofo, escritor e artista plástico John Berger (1926-2017). Evocá-lo é um exercício de combate à desmemória ou a essa provada incapacidade coletiva de enlutamento face à perda de referenciais humanos à escala planetária…

Ora, ante um panorama generalizado de populismo político que grassa pelas democracias europeias e não só, que se prevê, desafortunadamente, continuado neste ano de 2018, é mister reverenciarmo-nos ante o legado de Berger, feito de uma permanente e deliciosa proposta reflexiva acerca do curso da Humanidade a partir de cada um de nós: que o mundo tenha coragem de interromper, tenha a ousadia de descontinuar, de renunciar ao descaminho, de resistir, de mudar de paradigma; paradigma que fez com que o nosso devir coletivo se tornasse demasiado unívoco mercê da globalização desenfreada que, se tentou equilibrar as sociedades mundiais, despoletou a mais hedionda das crises: fautora da décalage da pobreza e geradora de uma economia desumanizada e a imparável concertação do capital.

Assim, sob a égide de Berger, que não nos seja de todo indolor o estado de pensar sofrida, mas esperançosamente o mundo, o homem, a economia, a participação cívica, os direitos humanos, mais do que viver sob a excitação dos paraísos tecnológicos e ceder, com golpes teatralizados, a soluções expiatórias: veja-se o que está a acontecer na Áustria, na Hungria, na Polónia… Não permitamos com o nosso mutismo o advento de uma nova desmemória; não consintamos observar em silêncio cumpliciado cenas de cargas policiais (novamente) em solo peninsular, nem exercícios beligerantes de intimidação internacional entre um inquilino alienado da Casa Branca e potências como a Coreia do Norte, Irão, Síria, sem esquecer as tenções na Venezuela e o gratuito acirramento do conflito israelo-palestiniano.

Urge, pois, que em 2018, renunciemos definitivamente àquela que era, para John Berger, a maior tentação do nosso tempo: a do «não-comprometimento». Rendamo-nos, com o nosso pensador, à «necessidade de nos comprometermos com todo um processo de resistência. É que é nesse processo que pode acontecer a esperança».

João Mendes Rosa*

* Escritor

Sobre o autor

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