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2005 razões para mudar de ano rapidamente

observatório de ornitorrincos

Até prova em contrário ou revogação pela Assembleia da República, este será o último Observatório de Ornitorrincos de 2005. Como se sabe, é costume no final de cada ano fazer-se um balanço dos acontecimentos dos últimos doze meses. Também é costume, nos jornais de dimensão intelectual superior, organizar uma orgia conjunta com todos os colunistas na melhor casa de alterne da cidade. Tenho de mencionar isto ao director. Mas adiante. É a súmula do ano que agora acaba que importa e move a autoria deste artigo. Os leitores interessados na orgia de fim de ano devem dirigir um pedido por escrito para o Sindicato de Jornalistas a solicitar uma carteira profissional provisória, sem a qual a entrada não é permitida. A entrada na carreira jornalística, está bem de ver. Na casa de alterne basta ter dinheiro ou cartão de crédito.

2005 fica marcado como um ano cheio de desgraças. Foi o 30º aniversário do PREC, os 20 anos após a primeira eleição de Cavaco Silva e 10 anos passados sobre a vitória de Guterres. Como se não bastasse, 2005 trouxe também Sócrates ao cargo de primeiro-ministro. Temo que esta regularidade perversa nos anos do meio de cada década possa conduzir Portugal a uma posição desconfortável no ordenamento das nações europeias. Espero bem que até lá a Estónia ou a Eslovénia não enriqueçam muito, para não envergonhar esta nação histórica cheia de pergaminhos. Embora, para sermos verdadeiros com a História, devemos assumir que esses pergaminhos são antigos, sim senhor, mas estão cheios de erros ortográficos.

Este foi também o ano em que a selecção portuguesa de futebol não disputou nenhum Europeu nem Mundial. Claro que há logo quem diga que isso foi porque não havia nenhum campeonato desses. Mas isso é gente fanática, que não sabe reconhecer que às vezes a nossa equipa também falha. Claro que há o facto infeliz de o Benfica ter sido campeão. E não o digo apenas por ser sportinguista. Se fosse portista, ou mesmo boavisteiro, teria a mesma opinião. Alem disso, o campeonato ganho pelo Benfica de Luís Filipe Vieira é um sinónimo do nosso subdesenvolvimento. Basta ver que na Finlândia a Nokia era uma grande fábrica de pneus e viria a dar origem a uma das maiores empresas mundiais de telecomunicações, criando condições de desenvolvimento e crescimento económico ímpares. É bem verdade que em Portugal essas condições também são ímpares – mais concretamente, três. Mas repare-se na ambição empresarial de um grande magnata português da área pneumática: ser presidente do Benfica. Comparando a Nokia ao Benfica percebe-se o avanço finlandês: o modelo 6610 é mais leve, mais atractivo e com menus muito mais acessíveis do que, por exemplo, Nuno Gomes.

No cinema, 2005 foi um ano decepcionante. O número de espectadores nas salas diminuiu, e pior do que isso, a quantidade de trintonas desesperadas à porta dos multiplexes caiu abruptamente, tornando a ida ao cinema um facto exclusivamente cultural. E há também o perigo de acabar a noite na prisão por agressão (ou assédio, em casos particularmente graves), uma vez que o cinema está agora povoado de adolescentes ululantes. Como arte, o ano valeu pelo extraordinária representação naturalista de Soraia Chaves n’O Crime do Padre Amaro. Os melhores críticos de cinema salientam de forma particular os movimentos ondulantes do torso e abdómen da actriz, naquilo que é uma verdadeira performance digna do “método” popularizado pelo Actors Studio.

Na literatura, José Saramago e Margarida Rebelo Pinto publicaram livros iguais aos do ano anterior e Paulo Coelho lançou um livro igual ao de todos os anos, mas com um título diferente. Desta vez, optou por um H depois do A em vez de um K a fazer de C. Afinal de contas, pertence à Academia Brasileira de Letras e a seriedade intelectual e literária deve ser preservada.

Feita a revista do ano, ficam claras as razões pelas quais 2005 não deixa gratas recordações aos portugueses. A não ser as mamas da miúda do filme, e esse daqui a seis meses também já está em DVD.

Por: Nuno Amaral Jerónimo

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