O último 25 de abril voltou a ser assinalado como o dia da liberdade. Assim o é, disso não subsistem dúvidas, exceto, talvez, na cabeça do indignado mor do regime e de outras venturas que nos desventuram. E é-o apesar de muitos se advogarem donos dessa data para, a propósito de tal propriedade, ora deslegitimarem o compromisso democrático de uns, ora tolherem o livre arbítrio doutros. Não é uma questão de convicção, mas de posse convicta.
Vem isto a propósito do incidente provocado pela recusa à participação da Iniciativa Liberal no tradicional desfile, em Lisboa. O presidente da Associação 25 de Abril, coronel Vasco Lourenço, justificou a decisão com a inefável «situação de excecionalidade» inerente à pandemia e as «limitações relacionadas com a saúde pública».
Só teriam lugar no desfile os partidos e organizações integrantes da comissão promotora. A saber: PS, Bloco de Esquerda, PCP, Verdes, Livre, CGTP e UGT (esta intersindical rejeitou participar). Todos partidos da esquerda nacional, a mesma esquerda que tantas vezes se arroga exclusiva depositária do espírito revolucionário de abril, tentando fazer de todo o espaço não socialista e não marxista um depósito da reação.
Ora, a Iniciativa Liberal é um partido que, em termos ideológicos, não é propriamente de esquerda nem de direita. Assume posições no plano dos direitos e liberdades facilmente identificáveis com a esquerda, porém defende políticas económicas claramente situadas no quadrante à direita. Serve esta curta explicação para nada. Ou melhor, rigorosamente nada. Isto porque de direita ou esquerda, “trotskista” ou “hayekiano”, libertário ou “orwelliano”, a liberdade foi conquistada por uns a bem de todos. De nada interessa qual a ideologia deste ou daquele partido, desta ou daquela pessoa, pois do que se trata é de festejar a liberdade.
«A Revolução não tem proprietários. A Revolução tem, no entanto, atores», declarou ajustadamente Ferro Rodrigues, presidente da Assembleia da República, na abertura da cerimónia solene que assinalou a passagem de 47 anos desde o 25 de abril de 1974.
Sabemos que um dos principais atores dessa revolução foi nem mais nem menos do que Vasco Lourenço, mas isso não faz dele, nem de ninguém, dono do golpe de Estado feito revolução. Muito menos da liberdade.
Dir-me-ão que a IL quis apenas fazer uma manobra de diversão à espera que Lourenço caísse na esparrela. É provável. Mas se assim foi é porque os liberais partilham da convicção, aliás verdadeira, de que o 25 de abril derrubou o Estado Novo, mas não apagou o ímpeto paroquial e castrador com que muitos portugueses continuam a encarar a sociedade e a participação cívica. É essa prevalência que explica que a coisa pública continue a ser gerida em função do nepotismo e do clientelismo.
Num exercício básico de liberdade, o Livre fez o que outros deviam ter também feito ao oferecer dois lugares no desfile à IL e ao partido recém-criado Volt. Mas o mal já estava feito. O novo coronavírus expôs deficiências várias, da fragilidade do sistema de saúde aos insuficientes mecanismos de proteção social, este 25 de abril mostrou como o vírus iliberal continua a infetar até mesmo as cabeças ditas mais progressistas.
Vírus iliberal
«É essa prevalência que explica que a coisa pública continue a ser gerida em função do nepotismo e do clientelismo.»