Durante a campanha para as eleições presidenciais, citando Miguel Esteves Cardoso, escrevi aqui que «ainda bem que temos Marcelo Rebelo de Sousa». Na verdade, sem surpresa, a diferença entre o candidato à renovação do mandato de chefe de estado e os demais candidatos era gritante – ou, simplesmente, os demais candidatos eram tão maus que mal sabiam defender uma ideia para o país ou definir com sentido de responsabilidade a missão e função de Presidente da República.
Mas há pelo menos dois pontos que me distanciam de Marcelo: a regionalização e a eutanásia.
Por culpa nomeadamente do agora Presidente da República o referendo à regionalização em 1998 chumbou essa importante reforma. Para o então presidente do PSD, o país não precisava de ser dividido administrativamente e a coesão territorial poderia ser construída a partir de Lisboa. Enganou-se! Marcelo é, pois, um dos responsáveis por Portugal ser um dos países mais atrasados e centralistas da Europa, onde Lisboa é o glutão que absorve a energia do país e concentra a riqueza, os investimentos, os meios e a estratégia. Se em 1998 Marcelo Rebelo de Sousa foi o maior dinamizador da centralização, na tomada de posse para o novo mandato voltou ao assunto e deixou escapar alguma abertura afirmando: «A palavra está nas mãos dos portugueses. A Constituição prevê que os portugueses tenham a palavra decisiva. Portanto, a descentralização vai mais ou menos longe de acordo com a vontade dos portugueses, podem ser representados na Assembleia da República ou, sendo caso disso, através do referendo». Com esta resposta (a Jerónimo de Sousa), Marcelo abriu as portas a um novo referendo à regionalização e, não fosse o ruído provocado pela desastrada intervenção de Cavaco Silva sobre a «democracia amordaçada» e o seu abandono precoce da tomada de posse, o tema estaria em debate na opinião pública e nos partidos.
Defender a regionalização é apelar ao desenvolvimento do país como um todo, é corrigir as assimetrias cada vez mais evidentes, é pugnar por um estado descentralizado, é pretender uma governação de proximidade, eleita e politicamente responsável e responsabilizada. Marcelo e todos os que foram contra no referendo em 1998 “venderam” a ideia de que isso seria dividir o país, criar mais tachos, mais “jobs” para os “boys”, mais despesa pública e mais gastos supérfluos (entretanto, o país foi resgatado pela Troika e acabou-se com os governos civis para poupar aquilo que o Estado papão e centralista sempre gastou). Os gastos, os lugares, a despesa locar e regional existem há muito, nas muitas instituições espalhadas pelo país, o que não há é controlo, nem participação dos cidadãos…
23 anos depois é tempo de voltar a exigir a regionalização. É tempo de voltar a dar oportunidade aos portugueses de cumprirem a Constituição e decidirem por referendo ou na Assembleia da República a oportunidade de escolherem o que considerarem melhor para as suas terras e para as suas gentes.
O Presidente da República mandou para o Tribunal Constitucional a lei da eutanásia que, porventura, até pode ser melhorada. Os juízes concluíram que é «excessivamente indeterminado» o conceito de «lesão definitiva de gravidade extrema» e contribuíram com o seu acórdão para o aprofundamento do debate parlamentar e a produção de legislação que contribua para a defesa da vida e respeite a autonomia pessoal em situações-limite de sofrimento como a da antecipação da morte medicamente assistida a pedido da própria pessoa. Porque o direito à vida «não pode transfigurar-se num dever de viver em qualquer circunstância» a promulgação da lei atrasou-se, mas será em breve aprovada.