Ainda se ansiava pela chegada da mirífica bazuca europeia quando, sem mais explicações, o Governo assentou pés na terra. Afinal aquilo por que tão desesperadamente ansiávamos não é uma bazuca, nem a fisga que o primeiro-ministro chegou a temer, mas tão só uma vitamina.
A União Europeia, primeiro, o Governo, depois, e os media, em comunhão, são os principais responsáveis pelo logro de chamar bazuca ao chamado fundo de recuperação (Next Generation EU).
A suposta bazuca é sobretudo importante pelo que constitui e não pelo que é. Ou melhor, o problema da bazuca é que não o é. A “bazuca” é importante pela rutura com a práxis comunitária de resposta a crises, substituindo apoios eminentemente punitivos por uma resposta (mais) solidária que sinaliza a possibilidade futura de maior partilha de riscos. Todavia, está longe de ser a bazuca pretendida e, para o perceber, basta compará-la com os milhares de milhões já investidos na retoma por países como os Estados Unidos, a China ou mesmo a Alemanha.
O mesmo António Costa que, no verão passado, se regozijava pelo acordo europeu para criar o fundo de recuperação fala agora, a propósito do Programa de Recuperação e Resiliência (PRR), na «vitamina que nos vai ajudar a sair da crise». Até agora ninguém do Governo explicou o porquê da bazuca não ser mais do que uma vitamina. A explicação é simples: foi pensada para responder à primeira vaga da pandemia e, entretanto, já vamos na terceira, com os efeitos económicos e socais a avolumarem-se; e se, na proposta inicial, Bruxelas propunha 500 mil milhões via subvenções a fundo perdido e 250 mil milhões a título de empréstimos, as cedências para garantir o apoio dos autodenominados frugais equilibraram praticamente a meio aquelas rubricas. Isto significa que a bazuca “vendida” como valendo 750 mil milhões, vale só metade desse valor, pelo menos para os países mais endividados.
É o caso de Portugal, que no PRR em consulta pública se candidata a 13,9 mil milhões de subvenções e a apenas 2,7 mil milhões de empréstimos. E mesmo o recurso a essa verba a crédito poderá não se verificar, já que este soma à dívida, como aliás avisou o vice-presidente da Comissão Europeia, Valdis Dombrovskis. O letão fez ainda questão de recordar que as regras de disciplina orçamental suspensas devido à pandemia voltarão (inalteradas?) e terão de ser cumpridas.
Além de que, convém precisar, as subvenções não são propriamente dinheiro dado. É dívida que a Comissão contrai em nome da União e que terá de ser paga, seja pelo pretendido reforço dos recursos próprios (criação de impostos europeus, que são também potencial receita por arrecadar ao nível nacional), seja pelo aumento futuro das contribuições nacionais.
O PRR, em sintonia com o roteiro europeu, aposta no reforço da resiliência e nas transições climática e digital, desafios sem dúvida determinantes e determinadores do futuro. Mas ignora as reformas – que Bruxelas chama estruturais e que parcialmente constam das recomendações específicas por país que os Estados-membros têm de seguir nos respetivos planos nacionais – necessárias à competitividade da economia. E esquece também os investimentos nas «gerações futuras», com que Mario Draghi se compromete para governar Itália.
Tanto dá ter uma fisga como uma bazuca, ou estar muito vitaminado, porque sem os investimentos certos a única coisa a disparar continuará a ser a dívida.