Brandos costumes

Escrito por Albino Bárbara

«Vivemos, isso sim, no Estado de cunhas, favores e amiguismo, que todos nós criticamos, mas na hora e, se necessário, sabemos favorecer o amigo ou a família. Está na massa do sangue»

Quando, em 1937, Salazar escapou ileso ao atentado, o Estado Novo decidiu agarrar o chavão para a sua propaganda. O facto é que o nosso país nunca passou pelos horrores da guerra civil espanhola, pelas mortes da revolução francesa, pelo genocídio perpetrado pelo 3º reich e até o 25 de Abril se fez sem derramamento de sangue.

Vivemos, isso sim, no Estado de cunhas, favores e amiguismo, que todos nós criticamos, mas na hora e, se necessário, sabemos favorecer o amigo ou a família. Está na massa do sangue. Claro que ninguém quer viver num país de improviso ou mentira, de subsídio-dependentes, de corruptos ou ladrões, abençoado pelas santíssimas trindades de fado, Fátima e futebol, de Deus, pátria e família. Possuímos uma mentalidade em tudo idêntica aos povos do sul da Europa e, segundo a Transparência Internacional, depois de analisar 178 países em todo mundo, ocupamos o 28º lugar no índice de corrupção muito acima da Grécia (69º), Espanha (41º), Itália (60º) ou Malta (47º). A Dinamarca continua num invejável primeiro lugar e já lá vão 11 anos.

A sociedade portuguesa realmente é de brandos costumes. É por isso que vale a pena analisar alguns temas trazidos recentemente por um demagogo pseudo populista em discursos redondos e desbravados, que no calor snobe de toda a sua prosápia ideológica vai dizendo coisas saloias e sem consistência que alguns gostam de ouvir. Ao que parece já tem mais de 490 mil seguidores. É obra.

A concessão de asilo e a proteção subsidiária encontram-se legisladas tendo em conta os direitos e deveres dos refugiados através da Convenção de Genebra, Protocolo de Nova Iorque de 1967 e três diretivas comunitárias relativas ao estatuto do refugiado, acolhimento e proteção internacional, seguindo as orientações da Organização Internacional para as Migrações e do Alto Comissariado das Nações Unidas para os refugiados.

O país pequeno, que um dia deu novos mundos ao mundo, tem hoje uma comunidade, de dupla nacionalidade, também uma nova geração que já nasceu cá e é portuguesa, aliás como acontece por essa Europa fora com todos os países que tiveram políticas coloniais idênticas à nossa. A sociedade portuguesa na sua generalidade não é racista. Convivemos muito bem com a diversidade, razão pela qual não existem grandes ressentimentos com os países de língua oficial portuguesa. Bem pelo contrário.

A sociedade pauta-se por valores onde a igualdade de oportunidades é o grande pilar da cidadania. A pobreza faz a rutura entre o individuo e a sociedade e a exclusão racista e homofóbica determina apenas uma necessária e pequeníssima integração.

O RSI (Rendimento de Inserção Social), de que tanto se tem falado, é uma ferramenta que visa colmatar situações de pobreza extrema, pese embora possa haver dependência dos seus beneficiários e um fraco envolvimento nos vários projetos de inserção, como sejam as ações a frequentar, a precariedade do trabalho oferecido e ainda a falta de expectativa futura.

Os ciganos portugueses são também os seus destinatários. Esses mesmos que teimam em manter o seu traço cultural, a forte coesão familiar e a intensidade das suas vivências. São acusados de viverem do RSI, de não se esforçarem em trabalhar, existindo uma grande desconfiança em relação a todos eles. Pois bem, apenas 4% dos beneficiários do RSI são de etnia cigana e, segundo as contas da Segurança Social, o valor mensal equivale à diferença entre os rendimentos da família e o valor do RSI. 188 euros por titular. 130 pelos restantes e 93 por criança. Assim, três adultos e duas crianças recebem 635 euros. Se o rendimento familiar totalizar 500 o valor mensal será de 134 euros.

Os ciganos são, neste processo, o elo mais fraco e o bode expiatório sendo discriminados, pois, na maior parte das vezes, o patronato não tem qualquer interesse em ter empregados ciganos, num recurso a uma mentalidade de discriminação étnica, concluindo-se que os argumentos de dependência do RSI têm incidência apenas nos ciganos (são a minoria) porque são o grupo mais vulnerável à pobreza, quiçá à pobreza extrema em Portugal.

Toda esta campanha de estupidificação ideológica que nos tentam vender é bem tolerada, os argumentos arquitetados, apenas pela rama, são bons de ouvir, mas são desmontáveis porque são mentira.
Há balões que se enchem. Lembram-se seguramente do PRD (Partido Renovador Democrático) que, em 1985, foi o terceiro partido do Parlamento, conseguiu eleger 45 deputados e fez cair o governo de Cavaco Silva. Em 1987 obteve sete e, em 1991, esfumou-se.

Pois bem, não, não queremos ser governados por políticos de tipo austríaco, polaco, italiano ou húngaro, mas, ao que parece, há alguns milhares, oriundos de todos os quadrantes políticos, a apostarem no pregoeiro do discurso próximo à pescadinha de rabo na boca, qual aprendiz de fascista, saído do escarro que a democracia deixou parir e na corja de pseudo burgueses que o seguem.

No país dos brandos costumes, o trigo ainda é o trigo e o azeite apenas se mistura com a água temporariamente. Depois, volta tudo ao normal. Estou em crer que é mesmo uma questão de tempo…

Sobre o autor

Albino Bárbara

Leave a Reply