P – Qual é a consequência da pandemia da Covid-19 na pobreza?
R – O mundo está a debater-se com uma pandemia que tem sérias consequências económicas e sociais. Os dados mais recentes ao nível do mercado de trabalho, dos rendimentos e da proteção social apontam para um forte e rápido impacto da crise gerada pela Covid-19. Em agosto de 2020, Portugal contabilizava 406,8 mil desempregados, mais 83,4 mil do que no período homólogo de 2019, e uma taxa de desemprego de 7,9 por cento. Se a situação piorar do ponto de vista sanitário, podemos ser forçados a um novo “lock down” e isso terá um impacto muito forte na economia e na sociedade, e é de esperar um forte agravamento dos indicadores de pobreza e exclusão social.
P – Pode-se concluir que os pobres ficarão mais pobres e haverá novos pobres?
R – A perda de emprego ocorreu em situações de maior precaridade laboral, sendo que o risco de pobreza era já mais elevado para esses trabalhadores. Os grupos de maior risco nesta crise – trabalhadores com vínculos laborais precários; trabalhadores pobres ou com baixas remunerações; trabalhadores na economia informal (empregadas de limpeza); empresários em nome individual em setores de atividade estagnados; desempregados; famílias com crianças; idosos; doentes; pessoas com deficiência; pessoas em situação de sem-abrigo; reclusos; minorias, como as comunidades ciganas e migrantes – enfrentam os impactos socioeconómicos com maior intensidade. Refiro-me à perda de rendimentos, ao maior isolamento social, maior exposição ao vírus devido à falta de espaço para o isolamento social ou condições precárias de alojamento e dificuldades de acesso aos serviços e apoios, uma vez que algumas estruturas e organizações, por exemplo, de auxílio alimentar, viram-se forçadas a fechar e/ou a reduzir recursos humanos (remunerados e voluntários) na prestação de serviços.
P – O que tem falhado no combate à pobreza em Portugal e no interior do país, em particular?
R – Não existe atualmente uma estratégia de combate à pobreza e exclusão social, mas sim um conjunto de medidas avulsas para aliviar os problemas mais prementes e imediatos que afetam um número cada vez maior de famílias devido ao aumento do desemprego, aos baixos salários e, em geral, à desigual distribuição do rendimento. Para a EAPN Portugal, o combate à pobreza requer a participação, nomeadamente das próprias pessoas em situação de pobreza e exclusão social, a intervenção em parceria, a abordagem territorial e a intervenção integrada. Sendo todos estes requisitos importantes para o êxito da intervenção social, entendemos que existem ainda fortes limitações, sobretudo quanto à participação e quanto à ação integrada, que devem ser corrigidas.
P – Como caracteriza a situação no distrito da Guarda?
R – Houve um ligeiro aumento do número de desempregados à procura de emprego junto do IEFP e também um ligeiro aumento das solicitações do Rendimento Social de Inserção. Houve bastantes famílias afetadas pela pandemia devido à diminuição dos seus rendimentos, quer seja por desemprego, pelo “lay-off” ou porque deixaram de fazer trabalhos pontuais (biscates). Houve um aumento dos pedidos de ajuda alimentar, mas consequentemente também houve um aumento dos apoios do POAPMC, tendo inclusive nalguns concelhos duplicado o número de beneficiários face às necessidades decorrentes da pandemia. Além das instituições de apoio social que desde o primeiro momento têm estado presentes no apoio às famílias, também se verificaram iniciativas da sociedade civil para responder às necessidades imediatas de bens para agregados em maiores dificuldades.
Uma das preocupações continua a ser os idosos, aconselhados a permanecer em confinamento, pois a grande maioria vive sozinha e continua privada do convívio e de atividades. Teme-se que o pior possa estar por vir, pois o Inverno está a chegar sendo tão rigoroso aqui na Guarda, não só devido às consequências na saúde e no emprego, mas também nos serviços pelo desgaste dos profissionais que têm estado desde início na linha da frente.
P – Quais as principais medidas que preconiza a EAPN Portugal para combater este flagelo?
R – Temos apresentado várias recomendações. Desde logo para o Plano de Recuperação e Resiliência. Consideramos que qualquer plano de recuperação da crise que enfrentamos tem de estar assente na defesa dos direitos sociais. É, por isso, com agrado que vemos neste Plano a atenção dada à habitação, que é um direito social. Reconhecermos claramente isto é um passo significativo na definição de qualquer medida de política nesta área e noutras que são essenciais ao combate à pobreza. Continuamos a ter em Portugal pessoas e famílias que vivem em más condições, sem acesso a saneamento, energia, água canalizada, sem capacidade para aquecerem a casa. Continuamos a ter em Portugal pessoas sem-abrigo, para as quais ter uma casa ainda é um objetivo difícil, ou mesmo impossível, de alcançar. Precisamos claramente de investir em habitação social e na recuperação do parque habitacional devoluto e a sua redistribuição junto da população mais vulnerável.
Defendemos a necessidade de termos uma estratégia para o país que apresente uma resposta integrada assente em três vetores: conhecimento e monitorização do fenómeno da pobreza; intervenção para a inclusão numa perspetiva multidimensional e integrada das várias áreas setoriais (saúde, educação, ação social, emprego, justiça e habitação) com objetivos e metas mensuráveis; e, por fim, prevenção. Ou seja, é crucial que todas as políticas e legislação nacionais e europeias sejam avaliadas ex-ante quanto ao seu previsível impacto (positivo e/ou negativo) sobre a pobreza.
Perfil:
Agostinho Jardim Moreira
Presidente da European Anti-Poverty Network (EAPN) Portugal
Profissão: Padre Católico
Idade: 78 anos
Naturalidade: Penafiel
Currículo: Não referido
Livro preferido: Enciclica Papal “Fratelli Tutti”
Filme preferido: “O Cavalo”
Hobbies: Leitura.